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H8 Especial QUINTA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
RENOVADA
A BUSCA PELA
João Bosco revela novos caminhos para músicas já conhecidas no álbum ‘Abricó-de-Macaco’, com duas inéditas
Caderno 2
CANÇÃO
T
eorias sobre as causas do co-
ronavírus se multiplicam co-
mo o próprio vírus, e vão des-
de que seria um golpe publicitário da
cerveja mexicana Corona que deu
terrivelmente errado até sua origem
extraterrena, como parte de um pla-
no para minar a defesa do nosso pla-
neta contra uma futura invasão de
alienígenas. Falando sério: a teoriamais difundida no momento é a de que
a pandemia teria a ver com a prolifera-
ção de novas torres de telefonia móvel,
5G, que de alguma maneira espalha-
riam o vírus. Dizem que não é coinci-
dência o fato de as primeiras antenas
5G, mais potentes do que as 4G que
substituem, terem sido instaladas na
China, onde a pandemia começou, an-
tes de qualquer outro lugar do mun-do. Cientistas contestam que uma li-
gação entre ondas de telefonia sem
fio e vírus galopantes seja possível e
que nem a coincidência existe, pois os
primeiros postes 5G foram erguidos
na Inglaterra, não na China. Mas, nu-
ma hora dessas, quem é racional? A
teoria das 5G prospera e já houve até
ataques a torres inocentes.
Mas, em meio a nuvens carregadas,surgem nesgas de otimismo solar. Co-
mo nas bolsas de valores internacio-
nais, onde, depois de semanas e sema-
nas de desesperança e prejuízos causa-
dos pelas más notícias de cada dia, es-
sa semana tudo mudou, e todas subi-
ram. Impulsionadas por boas notí-
cias, como a de menos mortes em luga-
res mais atingidos pelo vírus, mas prin-
cipalmente pelo o que alguém cha-
mou de “sentimento” das bolsas de
que a coisa começou a melhorar. Se
ainda não temos razão para comemo-
rar algo de concreto na guerra contra
o coronavírus, podemos pelo menosnos agarrar a essa abstração quase
mística, um “sentimento” do capi-
tal especulativo.
Quanto ao sai-não-sai do Man-
detta do Ministério da Saúde, não
sei se é verdade ou se eu que inven-
tei, mas chegamos perto de um gol-
pe palaciano quando Bolsonaro &
Filhos anunciaram sua escolha pa-
ra substituir o Mandetta na Saúde,
o Abraham Weintraub. Metade dos
generais escandalizados ameaçou
depor o Bolsonaro & Filhos na hora
e a outra metade sugeriu prisão do-
miciliar. Continuou o Mandetta.Verissimo
Renato Vieira
Para João Bosco, a descoberta
de novos caminhos para can-
ções já conhecidas está situada
no mesmo território do ineditis-
mo. O violão singular o guia nes-
ta jornada que começa em casa,
com a lembrança de músicas pró-
prias e alheias, que podem ir de
um antigo samba-enredo a stan-
dards do jazz.
“A música tem um dinamis-
mo, o autor não pode deixá-la
imóvel. Vez por outra é preciso
tirá-la daquele conforto”, con-
ceitua Bosco. Esta convicção é o
mote de Abricó-de-Macaco , ál-
bum que chega às plataformas
digitais em 17 de abril. Um DVD
com o registro das sessões de
estúdio, que ocorreram em ou-
tubro do ano passado, sai poste-
riormente, com exibição previs-
ta para maio no Canal Brasil.
Com 16 faixas, Abricó-de-Ma-
caco não repete nenhuma músi-
ca de 40 Anos Depois (2012), ou-
tro trabalho de caráter retros-
pectivo de Bosco. Para o novo
projeto, ele concebeu um mosai-
co de sons com origens diver-
sas, mas passando por referên-
cias brasileiras. Não é coinci-
dência que a faixa-título, uma
das duas inéditas do repertório,
faça alusão a uma árvore ama-
zônica com frutos e flores que
chamam atenção.
Abricó-de-Macaco tem estru-
tura semelhante a um clássico
de Bosco, Linha de Passe. Fran-
cisco Bosco, filho do cantor e
compositor, fez a letra do novo
samba e pegou emprestado da
música de 1979 o verso “baba-
luaê, rabo de arraia e confusão”,
estabelecendo uma conexão líri-
ca entre ambas.
“É como se fosse uma linha
de carretel que, quanto mais vo-
cê puxa, mais linha vem. As
duas músicas falam das coisas
que existem entre o firmamen-
to e o chão”, aponta Bosco.
Francisco ainda colocou le-
tra em Horda , a outra inédita.
Com quase oito minutos e uma
atmosfera de tensão, é definida
por Bosco como “uma suíte das
confusões e do tumulto, algo
que a gente vive no Brasil em
momentos específicos” e inclui
uma citação de O Galho da Rosei-
ra , de Hermeto Pascoal.
Os instrumentistas que
acompanham o artista ficaram
à vontade para preencher espa-
ços. Essa faceta é percebida já
na primeira faixa, Mano Que Zue-
ra , com uma longa introdução
sustentada por Ricardo Silveira
(guitarra), Guto Wirtti (baixo)
e Kiko Freitas (bateria).
A presença do trio é funda-
mental na nova versão de Cabe-
ça De Nego , gravada no disco ho-
mônimo de 1986 com violão e
vocais dobrados do próprio Bos-
co. O sax soprano da israelense
Anat Cohen dá um colorido es-
pecial à releitura.Das músicas gravadas ante-
riormente, Profissionalismo é Is-
so Aí teve a transformação mais
radical. O samba sobre a malan-
dragem que Bosco e o letrista
Aldir Blanc fizeram para a Ban-
da Black Rio se tornou um
blues. O cantor e compositor
lembra que os estilos comparti-
lham a origem africana. “O
blues e o samba têm afinidades
na alegria e também na dor.
Quis retomar essa música na
forma de blues e o resultado fi-
cou interessante”, diz Bosco.
Cantores da cena contempo-
rânea do Rio de Janeiro, Alfredo
Del-Penho, João Cavalcanti,
Moyseis Marques e Pedro Mi-
randa estão presentes em duas
faixas. Bosco participou de um
show deles em homenagem a
Jackson do Pandeiro em 2019 e,
no encontro para definir o re-
pertório da apresentação, se
lembrou que já havia gravado
Forró em Limoeiro.
O novo registro tem citações
de Galope , de Gonzaguinha, eMorena do Grotão , de João do Va-
le. “Essa música virou uma es-
pécie de suíte nordestina e cada
um faz sua participação como
se Forró em Limoeiro fosse o ber-
ço daquilo”, afirma Bosco. Ele
também recebe os quatro intér-
pretes em Pagodespell , parceria
de Bosco com Caetano Veloso e
Chico Buarque que partiu de
poemas escritos por Oswald de
Andrade.
Algumas músicas de outros
autores que entraram em Abri-
có-de-Macaco se relacionam
com momentos significativos
da vida de Bosco. Ele se recorda
de uma cena do filme A Noviça
Rebelde (1965) em que a persona-
gem de Julie Andrews canta My
Favorite Things para distrair os
filhos do capitão Von Trapp du-
rante um temporal. Desde crian-
ça, o cantor e compositor teme
as tempestades.
Ao ouvir a versão do saxofo-
nista John Coltrane, ele perce-
beu que a canção poderia se en-
caixar em outro contexto. “Col-
trane tirou a canção daquela
tempestade, daquele medo e a
levou para onde o jazz mora”,
ressalta Bosco, que registrou o
tema da dupla Rodgers e Ham-
merstein apenas com violão e
vocalises.
Exemplar da parceria de Tom
Jobim e Vinicius de Moraes,
Água de Beber ganha releitura no
formato voz e violão. Em con-
versas com o poeta, seu primei-
ro parceiro, Bosco descobriu
que a tal ‘água de beber’ era umaaguardente norueguesa chama-
da Aquavit.
Durante passagem recente
por Ilhéus para um show com
Toquinho, outro parceiro de Vi-
nicius, ele descobriu que o do-
no da pousada tinha morado na
Noruega e perguntou se o ho-
mem conhecia a tal bebida. O
proprietário não só sabia do
que se tratava como ofereceu
aos hóspedes meia garrafa. “É
uma bebida fortíssima, alucina.
A partir daí me senti apto a gra-
var a música porque agora eu
sabia qual era o sabor”, explica.
No carnaval de 1985, Bosco es-
tava na Sapucaí quando viu o
desfile da Estácio de Sá, que foi
para a avenida com Chora, Cho-
rões, uma homenagem ao cho-
ro. Ele se surpreendeu com o
samba melodioso, que em ne-
nhum momento cita a agremia-
ção. “É um samba que pega vá-
rias regiões sonoras brasileiras.
Quando eu estava na feitura do
disco, achei que ficaria muito
bem nele.”
Enquanto vive a expectativa
do lançamento de Abricó-de-Ma-
caco , Bosco se mantém resguar-
dado por conta do novo corona-
vírus e se aprofunda ainda mais
na redescoberta de canções. Re-
centemente, ele tocou em casa
um clássico da parceria com Al-
dir Blanc, Caça à Raposa , e refle-
tiu sobre o verso “recomeçar co-
mo canções e epidemias”. “Co-
mo diz a canção, é preciso reco-
meçar. E, neste momento, tudo
que eu tenho é o violão.”JOÃO BOSCOLUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE
ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOSl]
Weintraub na Saúde
Artista aderiu
este ano ao
Abricó-de-Macaco
Nas plataformas digitais em 17/4Mistura. Ele relê
samba-enredo e tema
de ‘A Noviça Rebelde’INSTAGRAMMARCOS HERMESlO perfil oficial de João Bosco
no Instagram foi criado em feve-
reiro deste ano (@joaoboscoreal)
e atualmente é seguido por mais
de 12 mil usuários da plataforma.
Ele conta que a ideia de entrar na
rede social veio da filha, Julia,
que cuida da agenda do cantor e
compositor. “Sempre fui analógi-
co, mas o mundo digital presta
um grande serviço a gente. O jo-
vem tem o mundo digital na mão.
Se você não estiver ali, não dá
para encontrar com eles”, afirma
Bosco. Além de vídeos em que
aparece tocando violão, há fotos
históricas, como a que registra o
encontro de Bosco, Chico Buar-
que, Dorival Caymmi e Luiz Gon-
zaga com o ex-ministro da cultu-
ra francês Jack Lang. / R.V.