O Estado de São Paulo (2020-04-09)

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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2020 Política A


WILLIAM


WAACK


A


realidade se encarregou de
lembrar Jair Bolsonaro de
que ele pode trocar de minis-
tro quanto quiser, mas não pode tro-
car quanto quiser de política de saú-
de. Os limites aplicados às vontades
do presidente – não importam méri-
tos ou motivações – foram antes de
mais nada institucionais. Em princí-
pio, não é mau sinal.
Entrou como freio uma estrutura
federativa que, no caso do combate
ao coronavírus, concede aos opera-
dores do SUS uma grande margem

de ação. E os operadores são, em pri-
meira linha, governadores e prefeitos.
Além da eterna crise fiscal, eles se res-
sentem hoje sobretudo de falta de coor-
denação política, e estão assustadíssi-
mos com a nada remota probabilidade
de colapso de partes do sistema de saú-
de. Clamam por liderança.
É outro problema que veio junto de
Bolsonaro e que a crise do coronavírus
apenas escancarou. O presidente acha
que seu poder vem da caneta, que ele
diz não ter pavor nenhum de usar (mas
não pode). Na verdade, o poder presi-

dencial no Brasil vem de algo que o
atual ocupante do Planalto renunciou
a aplicar ou o faz de forma inconsisten-
te, errática e subordinada exclusiva-
mente ao curtíssimo prazo de redes so-
ciais: ditar a agenda política.
Sob o avanço da doença, a postura de
Bolsonaro consiste o tempo todo em
“salvar” seu governo, que ele enxerga
exclusivamente pelo prisma de uma
ameaça de crise social urdida por ad-
versários reais ou imaginários manco-
munados para destruir a economia e
criar o caos. As manobras que faz para

neutralizar inimigos (governadores,
por exemplo) e afastar obstáculos ao
que considera necessário realizar (o
ministro da Saúde e o isolamento so-
cial, por exemplo) são perfeitamente
racionais dentro desse quadro mental
que beira a paranoia.

O problema é muito maior e, mes-
mo em seu jeito tosco (Bolsonaro
sobre Bolsonaro), o presidente fala
diariamente de um dilema para o
qual os principais chefes de governo
nas democracias liberais ainda não
encontraram saída. Em termos bas-
tante brutais, trata-se de saber até
quando precisa durar o fechamento
de economias antes que a devasta-
ção delas se torne irrecuperável. Na
outra ponta, reabrindo as econo-
mias, trata-se de saber qual é o limite
tolerável do número de mortos, a
partir do qual a falência de qualquer
carreira política é irrecuperável.
Projeções e análises de curvas esta-
tísticas sobre economia e saúde públi-
ca permitem no máximo contornos de
cenários nebulosos, sem horizonte de
tempo e qualquer “certeza”. Em ou-
tras palavras, dirigentes políticos ao re-
dor do mundo democrático liberal es-
tão sendo obrigados a “sentir” o dia a
dia de temperaturas políticas e situa-
ções de degradação econômica e social
que parecem ser, neste momento, mui-

to mais abrangentes e que aparente-
mente estão reagindo timidamente
ao inédito volume de medidas de es-
tímulo e combate à recessão.
Para os que se sentem fascinados
por entender qual papel exercem
personalidades na História, a atual
crise e sua imprevisibilidade ofere-
cem alguns contrastes eloquentes.
Donald Trump, por exemplo, zigue-
zagueia exibindo seu narcisismo (e-
le se proclamou um “gênio muito
estável”). Angela Merkel, na outra
ponta, demonstra uma postura
próxima ao estoicismo (filha de um
teólogo protestante em país comu-
nista). E Jair Bolsonaro?
Chegou ao Palácio do Planalto
na crista de uma onda política e
social que ele apenas em parte en-
tendeu e controlou, onda que vai
ficar parecendo apenas uma maro-
la diante das proporções da crise
de saúde e economia que começa-
mos a enfrentar agora. Nela, Bol-
sonaro não aprendeu a nadar, e
está se afogando.

Vera Rosa / BRASÍLIA


O presidente Jair Bolsonaro
disse ontem ao ministro da
Saúde, Luiz Henrique Mandet-
ta, que a economia do País vai
para o “beleléu” neste ano por
causa do coronavírus. Bolso-
naro cobrou medidas rápidas
para amenizar o impacto da
crise e uma mensagem otimis-
ta por parte do ministro. Isola-
do e sem apoio, ele começou a
se reaproximar do Centrão.


No pós-crise, Bolsonaro plane-
ja fazer uma reforma na equipe.
Em recente conversa com pelo
menos dois aliados, o presiden-
te confidenciou que, passada a
tormenta, pretende dispensar
não apenas Mandetta como “me-
xer” em outros “dois ou três” au-
xiliares. Não citou nomes.
A reunião de ontem com o mi-
nistro da Saúde serviu para Bol-
sonaro estabelecer com ele um
pacto de convivência até o fim
do estado de calamidade públi-

ca em que vive o País. Na práti-
ca, porém, Mandetta se tornou
um fio desencapado para Bolso-
naro e sua demissão é vista nos
bastidores da política como
questão de tempo.
De um lado, o presidente exi-
ge o fim da política de isolamen-
to social para todos e diz que
precisa “reabrir o Brasil” para
salvar os empregos. De outro, o
ministro afirma que uma atitu-
de assim equivale a “navegar
sem instrumentos” e pode le-

var o País ao colapso na Saúde.
Há, ainda, a polêmica relativa
ao uso amplo da cloroquina no
tratamento de pacientes com
covid-19. Bolsonaro é a favor,
como deixou claro em seu pro-
nunciamento de ontem. Man-
detta faz restrições.
Nos últimos dias, Bolsonaro
também se queixou do minis-
tro da Justiça, Sérgio Moro.
Disse que Moro é “egoísta” e
“não está fazendo nada” para
defendê-lo na batalha contra
as medidas restritivas de circu-
lação, adotadas por governa-
dores e prefeitos. Uma alterna-
tiva em estudo pelo presiden-
te prevê a transferência do ex-
juiz da Lava Jato para o Supre-
mo Tribunal Federal (STF). O
decano do STF, ministro Cel-
so de Mello, deixará a Corte
em novembro, quando com-
pletará 75 anos.
Antes da reunião de ontem
com Mandetta, no Palácio do
Planalto, o próprio presidente

já dizia que havia gente “se
achando” em sua equipe, falan-
do “pelos cotovelos”. A frase
foi para o ministro da Saúde,
mas a “bronca” e a ameaça de
usar a caneta atingem outros
integrantes da Esplanada que,
na avaliação de Bolsonaro, vira-
ram “estrelas”.

Centrão. Bolsonaro recebeu
ontem o vice-presidente da Câ-
mara, Marcos Pereira (SP), que
comanda o Republicanos. E con-
versou, recentemente, com líde-
res do PP e do PL, que também
compõem o Centrão. A todos,
pediu ajuda para enfrentar a cri-
se, já que sua relação com os pre-

sidentes da Câmara, Rodrigo
Maia (DEM-RJ), e do Senado,
Davi Alcolumbre (DEM-AP),
anda estremecida. “Bolsonaro
ouve mais as redes sociais do
que o Congresso”, resumiu
Maia. Mandetta é do DEM, mes-
mo partido dos presidentes da
Câmara e do Senado.
Alvo do chamado “gabinete
do ódio”, comandado pelo ve-
reador Carlos Bolsonaro (Repu-
blicanos-RJ), o ministro da Saú-
de só permanece até hoje na
equipe porque seu apoio popu-
lar ultrapassa o do presidente.
A crise do novo coronavírus
ainda acirrou o confronto en-
tre os militares do governo e a
ala ideológica. Na tentativa de
evitar um novo embate, o che-
fe da Casa Civil, general Braga
Netto, pediu a Mandetta que
evite expor divergências com
o presidente. O ministro pro-
meteu não olhar pelo retrovi-
sor. “Daqui a pouco eu sou pas-
sado”, admitiu.

Quando fechar,


quando abrir


PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


Presidente quer discurso


otimista de Mandetta


Bolsonaro não é o único
chefe de Estado que não
sabe como sair do dilema

Datena afirma que candidatura a prefeito não é mais ‘prioridade’. Pág. A6 }


Bolsonaro diz a ministro que economia vai para o ‘beleléu’; a aliados,


afirma que pode dispensar titular da Saúde e dois ou três auxiliares


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