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O ESTADO DE S. PAULO QUINTA-FEIRA, 9 DE ABRIL DE 2020 A
Internacional
P
oucas semanas atrás,
era comum que assis-
tentes ligassem para fa-
zer reservas para seus chefes
nos quartos de US$ 1 mil (R$
5,5 mil) do Hotel Four Sea-
sons, de Nova York. Mas, no
fim de março, passou a ser co-mum mães ligando para conse-
guir um quarto de graça para
seus filhos médicos. O icônico
hotel dos bilionários anunciou
que abrigaria profissionais de
saúde no combate ao vírus.
“Acho que minha mãe foi uma
das primeiras a ligar”, disse um
médico de 31 anos, cujo hospital
pediu que permanecesse anôni-
mo. Ele morava em Long Island
e viajava duas horas para traba-lhar em Manhattan. Agora, está
a 20 minutos a pé do hospital.
“Nunca fiquei num quarto de ho-
tel tão bonito na vida”, disse.
“No meio do meu turno, quan-
do as coisas estão ficando caóti-
cas e ainda tenho oito horas pela
frente, é muito bom lembrar
que tenho um lugar para ficar
bem perto e lindo.”
Ele deve permanecer no Four
Seasons por 25 dias. Embora ou-
tros hotéis da cidade estejam
ajudando a contornar a falta de
leitos hospitalares, o Four Sea-
sons se dedica exclusivamente a
deixar os profissionais de saúde
descansados e seguros.Na entrada, duas enfermeiras
com máscaras N95 medem a
temperatura de todos os hóspe-
des, perguntam sobre sintomas
nas últimas 72 horas e se lava-
ram bem as mãos. Uma vez lá
dentro, os hóspedes vão direto
para o quarto. A limpeza é rigoro-
sa. Os quartos têm lençóis e toa-
lhas extras. Os itens sujos são co-
letados somente após o check-
out. “Quando você entra no ho-
tel, encontra os mesmos proce-
dimentos do hospital. É impres-
sionante”, disse Dara Kass, médi-
ca de emergência de um hospital
da cidade. / NYT, TRADUÇÃO DE
RENATO PRELORENTZOUBeatriz Bulla
CORRESPONDENTE / WASHINGTON
O senador Bernie Sanders
anunciou ontem que desistiu
da corrida presidencial, abrin-
do o caminho para o ex-vice-
presidente Joe Biden dispu-
tar a eleição de novembro con-
tra o presidente Donald
Trump. Apesar de um bom co-
meço nas primárias, Sanders
sofreu derrotas seguidas que
deram a Biden uma vantagem
inalcançável em número de
delegados.
Em pronunciamento online,
Sanders disse ontem que Biden
é “um homem decente” com
quem pretende trabalhar, atitu-
de diferente da tomada por ele
em 2016, quando estendeu a dis-
puta contra Hillary Clinton.
“Não posso continuar uma cam-
panha que não se pode vencer e
interferirá no importante traba-
lho que temos nesta hora di-
fícil”, afirmou. “Unidos, vamos
derrotar Donald Trump, o presi-
dente mais perigoso da história
moderna americana.”
No discurso de ontem, San-
ders repetiu parte dos mantras
de campanha, como saúde públi-
ca universal e gratuita. Rotula-
do de radical, ele viu suas ideias
serem abraçadas, em maior ou
menor grau, por outros pré-can-
didatos do partido durante as
prévias democratas.
Trump não escondia de nin-
guém que preferia ter Sanders
como adversário, para manter a
polarização política. O senador
se autodenomina um “socialis-
ta democrata”, o que facilita a
estratégia de enfrentamento
adotada pelo presidente. Um si-
nal da preocupação da Casa
Branca com Biden foi o pedido
para que a Ucrânia investigasse
o filho dele, Hunter Biden, o que
esteve na origem do pedido de
impeachment aprovado na Câ-
mara e rejeitado no Senado.
As pesquisas eleitorais va-
riam muito nos EUA, porque o
voto não é obrigatório e cada ins-
tituto adota um modelo diferen-
te. Na média, porém, Biden tem
uma vantagem de cerca de 5 pon-
tos porcentuais. No entanto, a
eleição americana é decidida
em um colégio eleitoral onde ca-
da Estado tem direito a uma
quantidade de votos, divididosde acordo com a população.
Por isso, as pesquisas eleito-
rais estaduais são mais úteis co-
mo termômetro da disputa. Ne-
las, o presidente está um pouco
à frente em Estados importan-
tes como Flórida, Pensilvânia e
Ohio, mas perde em outros, co-
mo Michigan, Wisconsin e Caro-
lina do Norte.
Para o professor da Universi-
dade George Washington, Mau-
rício Moura, ainda não está cla-
ro o quanto a saída de Sanders
fortalece Biden, pois ninguém
sabe como será a campanha du-
rante a pandemia. “Todas as
campanhas já fizeram um movi-mento fortíssimo para traba-
lhar 100% digital, republicanos
e democratas estão focados em
desenvolver métodos para que
os eleitores votem antecipada-
mente”, afirma.
Além disso, o eleitor de San-
ders, de perfil mais jovem e pro-
gressista, não costuma ser o
mesmo de Biden, visto como
um candidato de centro. “Pelo
menos dois terços dos eleitores
de Sanders precisam votar em
Biden. Essa equação é funda-
mental para os democratas”, dis-
se Moura.
Em fevereiro, Lilly Alegria, fi-
lha de imigrantes da Guatemala,que vive em Grand Rapids, no
Estado de Michigan, disse ao Es-
tado que votaria em Sanders
porque era contra a política mi-
gratória de Trump. Ontem, ao sa-
ber da desistência de seu candi-
dato, colocou-se como indecisa.
“Vou pensar, saber mais sobre
os pontos positivos e negativos
de Biden. Ainda não sei”, disse.
Em razão da pandemia, as
campanhas deixaram de fazer
comícios e usar voluntários.
Trump vem aproveitando a qua-
rentena para ter uma exposição
diária na TV, nas quais faz um
balanço sobre a crise. O “sumi-
ço” dos candidatos democratas- natural, pois Biden, de 77 anos,
e Sanders, de 78, estão no grupo
de risco – fez crescer as especula-
ções de que o governador de No-
va York, Andrew Cuomo, pode-
ria concorrer à presidência. Até
agora, ele é o único democrata
com uma exposição de mídia
próxima à de Trump.
Cuomo, porém, nega a ambi-
ção. Enquanto isso, a aprovação
de Trump vem subindo com as
aparições diárias na TV, com co-
letivas que duram duas horas,
até mesmo nos fins de semana.
Resta saber se e quando esses
índices se refletirão nas pesqui-
sas eleitorais.
Eleição nos EUA. Em meio a uma campanha interrompida pela pandemia, senador não resiste a derrotas recentes e faz anúncio em
pronunciamento online; ele elogia seu adversário nas primárias e promete trabalhar com o ex-vice para derrotar o presidente americano
HOTEL DE LUXO EM
NY ABRIGA MÉDICOS
B
ernie Sanders suspendeu sua campa-
nha. Em declaração ao vivo, ele se con-
centrou na “luta ideológica”, que ele
insiste ter vencido. Isso pode ser entendido
como uma luta para mudar o equilíbrio en-
tre imaginação e praticidade. Como muitos
radicais, Sanders passou muito mais tempopensando em como traduzir seus princípios
em políticas do que em como transformar
suas propostas em leis. Ele acredita que, se
você limitar suas ideias ao que parece possí-
vel, você cederá ao establishment, pois é ele
que controla o que é politicamente possí-
vel. Enquanto você fizer isso, mudanças pro-
fundas nunca ocorrerão.
Do outro lado está Joe Biden, que apoia-
ria muitas propostas de Sanders, se pudes-
se estalar os dedos e fazê-las acontecer.
Mas, como muitos democratas, Biden en-
tende as restrições do Congresso, de gru-
pos de interesse e da opinião pública – e ten-ta criar propostas que se encaixem a essas
restrições. É por isso que as ideias de Biden
estão mais à esquerda do que as de Barack
Obama. Não porque ele seja mais radical,
mas porque o espaço político expandiu-se e
hoje propostas como um salário mínimo de
US$ 15 por hora são mais viáveis. Sanders
diz que é por causa dele. O que é verdade,
pelo menos em parte.
Mas Biden tem um bom argumento ao
seu lado, que é a diferença entre ser presi-
dente e ser ativista. Como candidato, San-
ders pode defender um sistema de saúde
universal, mas um presidente precisa deapoio para aprovar uma reforma desse ta-
manho. Encontrar o equilíbrio entre ideias
e restrições políticas é um dos principais
desafios de um governo. Portanto, essa será
a tarefa de Sanders, se Biden for eleito: ser a
voz da imaginação e pressionar Biden a não
aceitar tão facilmente as restrições da políti-
ca. Não estava nos planos de Sanders se tor-
nar presidente – e talvez seja melhor assim.
Ele já mostrou que, do lado de fora, pode
ajudar a expandir o escopo do possível.]
É COLUNISTAPANDEMIA DO
CORONAVÍRUSSanders desiste da disputa e Biden será
o candidato democrata contra Trump
l PromessaDEMETRIUS FREEMAN/THE NEW YORK TIMESPrecaução. Médica Dara Kass em quarto do Four SeasonsBunker da saúde]
ANÁLISE: Paul Waldman / THE WASHINGTON POSTAmericanos ainda
precisarão da voz que
propõe o impossível
AFP“Unidos, vamos derrotar
Donald Trump, o
presidente mais
perigoso da
história moderna
americana”
Bernie Sanders
SENADOR AMERICANOFim da linha. Bernie Sanders anuncia que suspendeu sua campanha durante pronunciamento ao vivo na internet: disputa agora será entre Biden e Trump.