A CIÊNCIA COM ROSTO DE MULHER

(Casulo21 Produções) #1
ACREDITE

ACREDITE

“Acredite!”



  • soava uma voz longínqua, em alemão coloquial. Como
    oração a mulher repetia a palavra em pensamento,
    resgatando tantas crenças que permearam sua vida.
    Alimentava-se de lembranças. Rememorava nas páginas do
    álbum de fotografias em preto e branco seus familiares, suas
    paisagens, seus rostos. Com elas, voltava no tempo. 
    “Acredite!” – suspirava de satisfação ao se ver rodeada de
    alunos, exercendo o recente ofício de professora de Física
    na universidade da capital alemã. Chegava aos cinquenta
    anos certa de que haveria de se dedicar à profissão por
    mais cinquenta. Outro retrato mostrava a mulher de olhar
    firme encarando a câmera, usando avental branco e com as
    mãos para trás do corpo, encostada na bancada de trabalho.
    Semblante sereno de quem não tinha acreditado nas regras
    impostas às mulheres da época. Poderia escolher não ser
    esposa, não ser mãe.
    “Acredite!” – a afirmação que inspira descobertas era trilha
    para duas fotografias, da década anterior. Em uma estava
    sentada, com a mão esquerda apoiada na mesa de madeira,
    cabelos presos, jaleco branco. Naquela sala descobrira um
    fenômeno físico importante, que acabou levando o nome de
    um cientista francês. Na segunda fotografia, estava de pé, em
    um laboratório, cercada de equipamentos e recipientes, junto
    do colega com o qual dividira a descoberta de um
    novo elemento químico. 
    “Acredite!” – na página virada, mais uma imagem trazia seu
    rosto, ainda sem linhas do tempo. Usava chapéu e olhava para
    o lado direito. Como era costume, não sorria. Tinha acabado
    de ingressar no ensino superior, enfrentando as leis de seu
    país natal. Acreditar não era permitido às mulheres.
    A infância vivida na capital imperial de grandes óperas foi
    marcada pelo ensino do piano e da Matemática. No retrato de
    família, entre os irmãos, ela segurava uma boneca e tinha os
    olhos amedrontados pela perseguição religiosa. Por acreditar
    no que os donos do lugar não acreditavam. 
    A mulher, a moça, a menina nunca duvidou da fé em si
    mesma. Mesmo quando injustiças e adversidades rebentavam.
    A voz suave sempre lhe soprava esperança: “Acredite!”.


Inspirado na história de Lise Meitner (Áustria,
1878 – Reino Unido, 1968), física que estudou a
radioatividade e a física nuclear, descobridora
do elemento protactínio, em 1918, e da fissão
nuclear, em 1939.

Poder 125
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