Durante o processo de escrita deste livro, vi uma menina nascer. Primeira filha,
primeira neta. Um mundo de expectativas aguardava por ela. Seu quarto foi preparado
com carinho e desenhos pelas paredes. Planetas, foguetes, estrelas e, até, um disco
voador. Na primeira foto compartilhada, a legenda escrita pela mãe revelava o desejo de
futuro: “Seja o que quiser!”
Não raro, a ideia de empoderamento feminino vem associada a figuras do Universo,
pela grandeza e pela ausência de limites. Também comum é a busca pela relação entre
capacidades femininas e profissões por muitas décadas restritas aos homens, como
astronautas e cientistas. Os estereótipos ainda perduram, apesar de inúmeros avanços.
O desafio deste trabalho foi retratar mulheres que têm na ciência sua prática
cotidiana, por meio de fotografias e palavras, com ênfase na arte que essa conexão
propõe e que parece distante do fazer científico.
Mas não é. Das 30 entrevistadas, de gerações diferentes, com sotaques diversos,
atuantes como pesquisadoras, professoras e empresárias, a maioria mencionou o apreço
pela beleza da música, da pintura, da dança ou da poesia. Algumas até usam seu pouco
tempo de folga para costurar, escrever, tocar um instrumento, fotografar.
Os textos que compõem este livro são variados quanto aos seus formatos e,
mesclados, remetem a uma espécie de colcha de retalhos. Para além do colorido e dos
padrões, pretende aquecer.
Para o conto de abertura, das 30 histórias ouvidas, busquei traços em comum,
sensações e particularidades que fossem representativas de todas. A estrutura textual, o
vocabulário e o modelo de jornada reproduzem os tradicionais contos de fadas. Porém,
diferentemente deles, o protagonismo feminino não é marcado pela passividade,
mas pela tomada de decisões, guiada pelo desejo e pela valentia. Assim, o roteiro
desenrola-se até o encontro metafórico, comum a todos os relatos coletados.
Antes de ouvir e escrever, veio o questionamento: de qual ciência estamos falando?
Afinal, o termo abrange inúmeras áreas do conhecimento, das humanas às políticas
e sociais. Como recorte, visto o objetivo do projeto, focamos no conjunto que alguns
teóricos chamam de Ciências Naturais e que incluem Física, Química e Biologia, com
seus desdobramentos.
Adotada a definição, outro tipo de texto aparece em nossa colcha. Dados e
informações técnicas oferecem suporte aos depoimentos e dão sustentação à relevância
do tema geral. Pesquisas e índices evidenciam a necessidade de se falar de lutas,
direitos, equidade.
Temos ainda as vozes das 30 cientistas entrevistadas que aparecem expostas ao
longo do trabalho e, entre aspas, transmitem ideias e reflexões sobre seus ofícios,
aprendizados e como se dá o passeio entre delícias e desgostos da profissão. Optamos
pela não identificação de cada depoimento, propondo um jogo de imaginação com o
leitor. Dessa forma, uma fala pode ter sido dita por qualquer uma das cientistas, sem
perda de potência e, ainda, pode ser de todas. Múltiplas vozes ecoam em uníssono.
Cinco palavras-tema traçam propostas de capítulos, com introdução informativa e
novas breves ficções. Sem se valer da estrutura usual de contos, esses textos são fatias de
uma vida inventada, porém real. Ou vice-versa. Explicitamente inspiradas em trajetórias
de importantes mulheres cientistas que viveram há cerca de 100 anos – época do início
oficial da participação feminina na ciência –, as prosas poéticas foram criadas para trazer
essas vivências para perto, abraçá-las e acolhê-las.
PREFÁCIO
26 A Ciência com Rosto de Mulher