O Estado de São Paulo (2020-04-13)

(Antfer) #1

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B4 Economia SEGUNDA-FEIRA, 13 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO


‘A DISCIPLINA


É DIFERENTE’


‘NUNCA USEI


TANTO APP’


‘A VANTAGEM É VER OS


FILHOS O TEMPO TODO’


Adaptação

É


de um sítio, no interior
de São Paulo, que o presi-
dente da Vivo, Christian
Gebara, tem comandado seus
33 mil funcionários nas últimas
três semanas. Ali, distante 100
quilômetros da capital paulis-
ta, ele divide o dia entre video-
conferências com executivos


da companhia, clientes, gover-
nantes e representantes do se-
tor, além das tarefas escolares
dos dois filhos, de 12 e 14 anos.
“Aqui no campo, no meio do
nada, as crianças têm mais espa-
ço do que se ficassem na cidade
de São Paulo dentro de um apar-
tamento.”

Acostumado ao ritmo acele-
rado da Avenida Berrini, onde
fica a sede da empresa, em São
Paulo, ele tem procurado man-
ter uma rotina de disciplina,
com exercícios físicos antes de
iniciar o trabalho e paradas pa-
ra o almoço em família.
Antes de começar as ativida-
des, ele corre e faz aulas com
um personal por vídeo. As reu-
niões começam por volta das
8h30 e prosseguem até as
20h30. Pelo menos duas delas
são para discutir os efeitos do
coronavírus com o pessoal da
empresa e com clientes.
Depois, ao longo do dia, vem

outras conversas, de caráter
mais institucional, para tratar
de medidas de ajuda ao setor.
“Estou trabalhando igual ou
mais do que o normal, mas esta-
mos tentando manter a empre-
sa funcionando”, diz Gebara.
Segundo ele, as reuniões por
videoconferência e o fato de
não ter de se locomover para o
trabalho tem gerado uma pro-
dutividade maior. “Por outro la-
do, sinto falta do olho no olho;
numa conversa pessoalmente,
você consegue perceber coisas
que são mais difíceis de verifi-
car por vídeo”, afirma o presi-
dente da Vivo.

Vida virtual

‘TEM SIDO


PRODUTIVO’


O


presidente do Nubank,
David Vélez, escolheu
fazer o isolamento so-
cial numa casa no interior do Es-
tado de São Paulo. Ali, sem uma
estrutura preparada para o ho-
me office, ele faz o que pode pa-
ra cumprir sua extensa agenda
de reuniões e demais ativida-
des. “Atendo às chamadas du-
rante o dia na sala de estar, me-
sa de jantar ou em cima da mi-
nha cama.”
As conversas por telefone
também costumam ocorrer du-
rante as caminhadas de Vélez.
“É ótimo para me exercitar e
também me ajuda a pensar com
mais clareza e calma nas deci-
sões a serem tomadas neste pe-
ríodo.” O executivo conta que,
por ter escritório em outros paí-
ses, já estava acostumado a tra-
balhar onde fosse necessário,
seja em casa, avião, aeroporto
ou café.
“Os times do Nubank tam-
bém sempre viveram essa reali-
dade. Agora ter 100% dos fun-
cionários trabalhando remota-
mente foi algo inédito mesmo.
Tem sido um aprendizado.”

Vélez conta que tem tentan-
do manter uma rotina seme-
lhante a que tinha antes da pan-
demia. Ele acorda por volta das
5h30 com o filho de três anos,
que desperta cedo. “Como uma
tigela de cereal com ele e faço
exercícios por cerca de uma ho-
ra todos os dias.”
Por volta das 8h30, ele come-
ça a receber chamadas e entra
em reuniões que vão até as 20
ou 21 horas. “A vantagem é que
estou vendo meus filhos e mi-
nha esposa o tempo todo e con-
sigo fazer as refeições com
eles.”
O executivo diz que, apesar
de sempre trabalhar muitas ho-
ras por dia, as últimas semanas
têm sido mais longas que o habi-
tual. Para ele, no pós-pande-
mia, o home office deve crescer
consideravelmente. Isso vai au-
mentar o acesso a talentos de
uma maneira mais global.
“Uma sociedade mais digital é
também mais produtiva, por-
que exige uma estrutura de cus-
tos mais baixa e torna a vida de
clientes e empresas mais econô-
mica e prática.”

U


ma das primeiras provi-
dências da presidente
da empresa de crédito
Captalys, Margot Greenman,
foi liberar uma mesa para traba-
lhar com os dois filhos em casa.
De um lado, está seu notebook.
Do outro, uma série de mate-
riais escolares, como lápis de
cor, giz de cera e tesoura. “Te-
nho colocado eles para fazer
projetos de arte enquanto faço
minhas atividades”, diz ela, que
liberou a babá nesse período.
“Mas, quando tenho muitas coi-
sas para fazer, peço uma ajuda e
vou buscá-la em sua casa.”
Margot começa sua rotina en-
tre 5h e 6 h, antes de as crianças
acordarem. Aproveita o mo-
mento para responder e-mails
e fazer trabalhos que exigem
mais silêncio.
Em seguida, faz o café da ma-
nhã e coloca os filhos para ini-
ciar alguma atividade. “Quem

está com crianças em casa sabe
que esse é uns dos maiores desa-
fios da situação atual.”
As ligações e reuniões com a
equipe de trabalho começam às
9h. O período da tarde fica reser-
vado para interações com clien-
tes. E, no fim da noite, quando
as crianças vão dormir, ela reto-
ma as atividades da empresa.
Margot confessa que não tem
sido fácil. “É uma disciplina di-
ferente, uma novidade. Somen-
te agora, depois de duas sema-
nas, estou conseguindo reto-
mar o foco nos assuntos estra-
tégicos que estavam sendo toca-
dos antes da crise.” Até então,
todas as decisões eram para re-
solver emergências.
Na avaliação de Margot, o
mundo já começa a viver uma
mudança profunda. O home of-
fice forçado tem mostrado que
é possível fazer muito mais com
uma produtividade maior, afir-
ma. “Quando sairmos dessa cri-
se, teremos uma redução brutal
de custos e novas formas de
atender e fazer coisas mais efi-
cientes.”
MARGOT/CAPITALYS

DIVULGAÇÃO / ARQUIVO PESSOAL

A distância. Gebara comanda 33 mil funcionários e discute efeitos da crise do coronavírus por videoconferências


‘SINTO FALTA DO


OLHO NO OLHO’


Renée Pereira


Acostumados ao rigor do am-
biente corporativo, com reu-
niões, viagens e uma extensa
agenda de encontros de negó-
cios, presidentes de grandes
empresas do País também es-
tão tendo de recriar suas roti-


nas frente à pandemia do co-
ronavírus e à necessidade de
isolamento social.
Distantes da estrutura dos es-
critórios e dividindo o espaço
de trabalho com a família, esses
executivos fizeram dos aplicati-
vos de videoconferência o prin-
cipal instrumento de trabalho.

Pela tela do computador ou
do celular, eles comandam mi-
lhares de funcionários e muitos
estão à frente de empresas de
áreas consideradas essenciais,
que não podem falhar principal-
mente em momentos como es-
se, como serviços de telecomu-
nicações, água, energia elétrica

e alimentação. Também pas-
sam boa parte do dia em reu-
niões com governantes, repre-
sentantes do setor e outros exe-
cutivos da empresa.
As telas não resolvem só ques-
tões de trabalho. Nas últimas se-
manas, praticamente tudo tem
sido feito por vídeo. Das aulas

de atividade física e de relaxa-
mento a sessões de terapia. Ha-
bituados a ficar pouco tempo
em casa, executivos estão tam-
bém abrindo espaço na agenda
para compromissos menos
usuais, como auxiliar os filhos
nas atividades escolares ou divi-
dir os cuidados com a casa.

Apesar das dificuldades – a fal-
ta do “olho no olho” nas rela-
ções de trabalho ou carga horá-
ria mais pesada –, muitos têm
visto a experiência como um
aprendizado forçado e repensa-
do a forma de se trabalhar. A vol-
ta para o escritório promete ser
diferente.

PANDEMIA DO CORONAVÍRUS


N


a terceira semana em ho-
me office, o presidente
da Eletrobrás, Wilson
Ferreira Junior, conta que tem
feito cerca de dez reuniões por
dia. O início do isolamento so-
cial do executivo culminou
com o prazo de entrega dos ba-
lanços da estatal e de suas subsi-
diárias, o que exigiu uma dinâ-
mica diferente do habitual. “Foi
um grande desafio soltar todos
os balanços até 30 de março por
trabalho remoto. Usamos até o
último minuto.”
O executivo está em home of-
fice em sua casa em Campinas,
no interior de São Paulo, com a
mulher e a filha de sete anos.
Por causa dos riscos de contami-
nação, ele dispensou a emprega-
da e todas as atividades do-
mésticas são feitas pelo casal.
“Minha mulher tem ajudado
bastante. Ela faz praticamente
tudo. Trabalha, cuida da crian-

ça e cozinha”. Para contribuir
com a arrumação da casa, Fer-
reira Junior ficou responsável
por lavar a louça do jantar. “É a
primeira coisa que eu faço no
dia.” Por volta das 8h, o executi-
vo inicia suas atividades de tra-
balho e fica o dia inteiro aten-
dendo celular, respondendo
WhatsApp e participando de
reuniões por vídeo. “Nunca
usei tanta ferramenta de TI ( tec-
nologia de informação ) como
agora. Estou impressionado co-
mo esses sistemas estão nos aju-
dando.”
A rotina de trabalho, normal-
mente, termina por volta das
20h30, quando ele consegue jan-
tar com a família. Ferreira Ju-
nior afirma que, depois de três
semanas trabalhando sozinho
num escritório, começa a bater
uma certa solidão. Para levan-
tar o ânimo, uma das alternati-
vas tem sido marcar reuniões
virtuais com os amigos. “Na últi-
ma semana, fizemos uma video-
conferência com amigos e cada
um tomando o seu uísque prefe-
rido. Foi uma terapia.”

Amigos. Ferreira Junior vê colegas por videoconferência

Vantagens


Tempo. Margot levou duas semanas lidando com urgências

No interior. Vélez tenta manter rotina que tinha na capital

ANDRIES/OLX WILSON/ELETROBRÁS

Sem deslocamento, porém, rendimento aumenta


Vice-presidente de marketing do Burger King diz que crise trará profundas mudanças de hábito. Pág. B8}


À


frente da plataforma de
vendas online OLX, An-
dries Oudshoorn já esta-
va acostumado com o home offi-
ce eventual e as teleconferên-
cias. Mas fazer isso com outros
800 funcionários ao mesmo
tempo não é uma tarefa fácil, re-
conhece o executivo. “Fazemos
reuniões semanais com todos
os trabalhadores para tentar di-
minuir a ansiedade pela qual
eles enfrentam.”
Ele está em isolamento em
seu apartamento no Rio com a
esposa e os dois filhos. Apesar
da demanda maior por deci-
sões, ele afirma que o trabalho
em casa tem sido mais flexível
que a jornada no escritório.
“Começo o trabalho às 8h e
vou até umas 19h. Mas tento pa-
rar um pouco para fazer algu-
mas atividades com a família.”
Um desses momentos é cozi-
nhar e acompanhar algumas au-


las online dos filhos. Antes de
iniciar as atividades da empre-
sa, ele também consegue correr
e fazer musculação para reduzir
o estresse. “Tem sido muito pro-
dutivo, pois não perco tempo
em avião ou em locomoção de
um lado para outro.”
O executivo reclama, entre-
tanto, da qualidade da internet,
que considera ruim, e da falta de
contato com as pessoas. “Algu-
mas conversas mais sensíveis,
acho melhor ter pessoalmente
do que por telefone ou por vi-
deoconferência.” No dia a dia,
completa ele, é difícil estabele-
cer uma conexão emocional
com as pessoas remotamente.
O lado positivo é que, depois
dessa experiência e dos bons re-
sultados em relação a motiva-
ção, coletividade e produtivida-
de, será mais fácil contratar pro-
fissionais espalhados pelo Bra-
sil. “Engenheiro de software,
por exemplo, é um profissional
mais difícil de se encontrar,
mas, se puder contratar em
qualquer lugar do Brasil, isso fi-
ca mais fácil.”

Longe da Berrini Família reunida


De casa, no comando de gigantes


Habituados ao rigor do ambiente corporativo, altos executivos dividem o espaço de trabalho com a família e usam vídeos para se comunicar


Flexibilidade. Oudshoorn consegue parar para cozinhar


ARQUIVO PESSOAL
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