O Estado de São Paulo (2020-04-13)

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O ESTADO DE S. PAULO SEGUNDA-FEIRA, 13 DE ABRIL DE 2020 Especial H5


‘Kingdom’ tem heroína em nome da ciência


Mariane Morisawa
ESPECIAL PARA O ESTADO


Durante as três primeiras tem-
poradas de Insecure , os senti-
mentos de Issa Rae, sua criado-
ra, roteirista e protagonista, fo-
ram mudando. “Na primeira
era: ‘incrível, vou ter uma série
no ar, mas, se não funcionar, tu-
do bem, fiz o meu melhor’”, dis-
se ela em entrevista por telefo-
ne ao Estado – em razão da pan-
demia de covid-19, os contatos
pessoais entre jornalistas e artis-
tas, claro, foram suspensos.
“Na segunda, era: ‘que legal,
as pessoas amaram o show!’
Mas, na terceira, eu estava can-
sada, trabalhando três anos em
Insecure , sem intervalo. Queria
ver o que mais poderia fazer.” A
parada de um ano e meio serviu
para atuar em alguns filmes, es-
tar mais presente em sua produ-
tora e ficar novamente empolga-
da e grata de voltar a Issa, Molly
e outros personagens da série,
que estreou sua quarta tempora-
da ontem, na HBO.
“Tirar essa folga foi fundamen-
tal. Muitas das histórias que usa-
mos vêm das nossas vidas pes-
soais, e eu sentia que não estava
vivendo”, disse Rae. Também
foi uma boa época para colocar a
cabeça no lugar em relação a
críticas que vinha recebendo.
“Eu sempre quis que Insecure
mostrasse facetas diferentes da
experiência de ser negro”, con-
tou. “Eu esperava que, a essa al-
tura, houvesse muito mais
séries fazendo isso, mas não fo-
ram tantas. E, quanto mais você
fica sob os holofotes, mais as pes-
soas esperam que a experiência
seja uma determinada coisa.”
Rae disse acreditar que rece-
beu muitas críticas injustas so-
bre a maneira “como retrata-
mos a experiência de ser negro”.
“Por exemplo, teve a polêmica
dos preservativos. Muitas séries
têm cenas de sexo, e ninguém


precisa ficar mostrando como
usar camisinha. Por que a co-
brança com a gente? Eu ouço e
absorvo algumas coisas, mas, às
vezes, há muita pressão.”

Na terceira temporada (aten-
ção para os spoilers), Issa Dee
(Issa Rae) finalmente pediu de-
missão do emprego que não a
satisfazia, disse que não tinha

gostado de uma atitude de sua
melhor amiga Molly (Yvonne
Orji) e recusou a desculpa de
seu namorado Nathan (Ken-
drick Sampson) pelo sumiço de

semanas, preferindo ficar sozi-
nha. Sinais de que Issa, a perso-
nagem, está ficando menos inse-
gura. “Ela percebeu que estava
confiando em outras pessoas pa-

ra definir quem era. Agora, fi-
nalmente vai poder descobrir
quais são suas paixões, vai fa-
zer algo que ama. Isso tudo é
fundamental para ela desco-
brir quem é e por qual caminho
deseja seguir.”
O relacionamento de Issa e
Molly é um dos assuntos princi-
pais dos novos episódios. “Fala-
mos muito sobre se pessoas es-
tão na sua vida por uma razão ou
uma estação”, disse. O público
também vai ter a oportunidade
de finalmente conhecer a mãe
de Issa, interpretada por
Wendy Raquel Robinson. “No
passado, a personagem só fala-
va da família. Nunca conhece-
mos ninguém a não ser seu ir-
mão. Mas esta temporada tem
muito a ver com seu mundo des-
moronando, ela definindo
quem é, achei que era a hora
ideal para apresentar sua mãe.”
Curiosamente, enquanto sua
personagem fica menos insegu-
ra, Issa Rae disse que está mais.
“Eu sempre fui muito autocon-
fiante e faço o que amo. Mas,
quanto mais embarco em proje-
tos que sinto que posso fazer
bem, mais insegura eu fico por-
que amo tanto que tenho medo
de perder tudo.”
Além da série, ela tem uma
produtora e um selo musical e
está abrindo um café em In-
glewood, um bairro tradicio-
nalmente de grande popula-
ção negra que está gentrifican-
do rapidamente. “Eu tenho
oportunidade de produzir o
conteúdo que quero ver, ser
uma artista e dar oportunida-
de a outros artistas. Isso me
motiva demais. E voltei a Inse-
cure super empolgada.”
A única coisa estranha é es-
trear bem no meio da pande-
mia. “Eu acho esquisito promo-
ver a série agora. Normalmente
fazemos festas e reunimos os ro-
teiristas para assistir aos episó-
dios. Mas as pessoas estão aguar-
dando com ansiedade a estreia,
dizendo que vai ser um alívio
nessa loucura. Que bom. Ainda
assim, não é o ideal.”

Na segunda temporada


da série sul-coreana,


zumbis serão motivo de


disputa política, e a cura,


principal arma de guerra


PARA ATUAR MELHOR


Leandro Nunes


Desde de que renovou a manei-
ra de se narrar uma invasão


zumbi, a primeira temporada
da série sul-coreana Kingdom ,
disponível na Netflix, surpreen-
deu com uma história medie-
val eletrizante, com tons já vis-
tos no cinema de seu país em
Train To Busan (2016).
A vantagem que faz a série ar-
rancar na frente, para bem longe
da cansativa The Walking Dead , é
seu recorte histórico, ambienta-
do no período da Dinastia Jo-

seon (1392-1897). Em apenas
seis episódios, a série narrou,
em sua temporada anterior, a
convulsão social provocada pela
contaminação de pessoas, que
se transformam em monstros se-
dentos por carne humana.
Da periferia do país, a massa
de zumbis seguiu para a capital,
casa do poder e das conspira-
ções. O boato do rei morto cede
espaço para uma disputa aber-

ta. Quem vai ocupar seu lugar,
nesse momento de crise?
O filho do rei, acusado de trai-
ção, tem outras preocupações,
como erradicar a contamina-
ção com as ferramentas mais ur-
gentes: flechas inflamadas, ar-
mas de fogo rudimentares, bar-
ricadas e espadas.
Nesse quesito, Kingdom é do-
na de cenas repletas de ação que
pouco lembram os massacres

zumbis urbanos de outras séries
contemporâneas do gênero. A
metáfora de uma sociedade
exaurida, rodeada de prédios e
transformada em massa aliena-
da, ganha diferentes contornos
na paisagem de florestas e cons-
truções milenares da série.
De fato, uma epidemia zumbi
deixa rastros particulares. O lu-
xo vivido pelos clãs tem fim e a
desigualdade social é escancara-
da. Um mal que não escolhe en-
tre ricos e pobres, embora os po-
derosos tenham mais vanta-
gens. Se a força militar não basta,
o que pode dar fim ao caos e pro-
mover a sobrevivência de todos?
Com os mesmos seis episó-
dios – que pode parecer pouco
para uma série com mais altos
que baixos –, a segunda tempo-
rada de Kingdom mantém em al-
ta temperatura a ação de zum-
bis correndo, lutas, investidas,
mas também constrói de manei-
ra silenciosa os segredos por
trás da epidemia. Enquanto os
homens vão suar sangue na ba-
talha, a heroína tem nome e pro-
fissão: Seo-bi, a médica.
Na primeira temporada, foi a
personagem da atriz Doona Bae
que percebeu o ciclo de funcio-
namento dos zumbis. Durante
a noite, os monstros desperta-
vam para caçar. Quando o sol
nascia, entravam em buracos,
em estado de dormência, à es-
pera do pôr do sol. Esse com-
portamento serviu muito bem
ao roteiro de estreia, manten-
do a tensão dos humanos, tan-

to na ação direta, quanto nas
estratégias de defesa. Para so-
breviver, um dia de cada vez.
Na segunda temporada, King-
dom avança no desenvolvimento
desses zumbis, a cargo das desco-
bertas promovidas por Seo-bi.
Como é de imaginar, a potência
militar não é o bastante, mesmo
que sirva para acariciar o ego
masculino. O embate força ver-
sus inteligência está posto. Acre-
ditar na intuição de uma médica
ou no barulho das armas?
As revelações de Seo-bi também
serão usadas pela rainha, que não
abrirá mão de seu lugar. O boato
sobre sua gravidez ativa uma crise
política inédita. A realeza reconhe-
ce que tem o caos ao seu favor,
construções seguras para viver,
um exército pessoal. Mas será que
pode aprisionar o conhecimento?
Ao descobrir as origens e os
motivos da contaminação zum-
bi, Seo-bi não se surpreende. Do-
minar o outro sempre foi da natu-
reza humana. Kingdom encerra a
segunda temporada exaltando a
batalha da médica e lhe impon-
do um desafio superior. A nova
guerra será pelo conhecimento,
contra uma ciência ainda mais
antiga. Boa sorte para os zumbis.

SEGURANÇA


Conhecimento. A médica Seo-bi, interpretada por Doona Bae, faz peregrinação silenciosa pela cura da epidemia


Depois de um ano e meio de pausa, ‘Insecure’ volta para quarta temporada com


protagonista mais confiante, como diz ao Estado a criadora Issa Rae


JUHAN NOH/NETFLIX

l Outra linguagem
Kingdom tem cenas repletas
de ação que pouco lembram
os massacres zumbis urbanos
de outras séries contemporâ-
neas do gênero.

Caderno 2


HBO

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