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H8 Especial SEGUNDA-FEIRA, 13 DE ABRIL DE 2020 O ESTADO DE S. PAULO
Jon Pareles
THE NEW YORK TIMES
Em tempos normais, Pearl Jam
e Green Day estariam na estra-
da agora. O Pearl Jam acaba de
lançar Gigaton , seu primeiro ál-
bum de estúdio desde 2013, e
estava pronto para lotar as are-
nas. O álbum de 2020 do Green
Day tem um título que aparece
nos “jornais de família” como
F ather of All... , e a banda progra-
mava uma turnê por estádios in-
ternacionais – chamada de Hel-
la Mega Tour –, formando uma
dose tripla de nostalgia com
Weezer, outra banda dos anos
90, e Fall Out Boy, cujo álbum
de estreia apareceu em 2001.
Tanto o Pearl Jam quanto o
Green Day estão cientes de que
são raridades: bandas dos anos
90 que ainda conseguem contar
com públicos que enchem uma
arena. Eles chegaram como pro-
messas e perseveraram como
atrações principais ao longo de
décadas. A questão que enfren-
tam agora é: como não virar di-
nossauros?
Pearl Jam e Green Day são so-
breviventes de duas atitudes
díspares do rock dos anos 90:
ambas as bandas têm raízes no
punk, mas de maneiras incom-
patíveis. O Pearl Jam era sério e
atormentado, o Green Day era
irreverente e sarcástico; o Pearl
Jam tinha músicas polidas e de-
cantadas, a estética do Green
Day era rápida, ruidosa e cati-
vante – e logo foi lapidada para
virar pop-punk quando surgiu
sua meticulosa musicalidade.
Ambas as bandas se apegaram a
seus públicos ao vivo e incorpo-
raram às músicas – algo mais fre-
quente para o Green Day e mais
ocasional para o Pearl Jam – dé-
cadas de experiência ouvindo o
canto da plateia ecoando nas ar-
quibancadas.
Com o cancelamento de
shows no mundo todo para con-
ter a pandemia de coronavírus,
esses cantos agora são apenas fi-
gurativos. O que nos deixa a sós
com os álbuns em si e a estraté-
gia de enfrentamento de cada
banda. De certa forma, Pearl
Jam e Green Day agora têm mais
em comum: procuram se inserir
dentro de uma história mais du-
radoura do rock, apresentando
influências selecionadas e igno-
rando qualquer tipo de pureza
ou austeridade, seja punk, grun-
ge ou qualquer outra.
Em seus últimos lançamen-
tos, as duas bandas se afastam
decisivamente da abordagem
de álbuns anteriores. Em 2016,
com Revolution Radio , o Green
Day tocou diretamente ques-
tões políticas e sociais, com
pouco cinismo e jocosidade; a
produção remontava ao álbum
A merican Idiot , claro, expansi-
vo e vastamente naturalista.
Mas o grupo virou tudo de cabe-
ça para baixo em Father of All....
O novo álbum atualiza o
Green Day para o ambiente de
déficit de atenção do século- O rápido, ruidoso e cativan-
te está de volta; apenas três
músicas duram mais de três
minutos, e cada um desses mi-
nutos está repleto de barulhei-
ra no estúdio. Em vez de abor-
dar questões específicas, a
maioria das músicas simples-
mente ruge de raiva e frustra-
ção generalizada: “Bebe, chu-
pa e engole / Enquanto a gente
vê o mundo pegar fogo”, Billie
Joe Armstrong lamenta em
Junkies on a High.
Em vez de construir a produ-
ção em torno do som da banda
no palco, Father of All... se faz
nos overdubs, incitados pelo
produtor Butch Walker. Gui-
tarras e bateria ricocheteiam
em estéreo, mudando de tom e
lugar, enquanto berros e gritos
entram na mistura para aumen-
tar a sensação de caos.
O álbum tem levas de guitar-
ras, harmonias vocais e palmas
que lembram o glam-rock dos
anos 70. Tem homenagens di-
retas à fase inicial dos Beatles
(em Stab You in the Heart ) e aos
Beach Boys do final dos anos
1960 (nos versos de Graffitia ).
E tem também explosões poli-
das de buzzsaw punk.
Tudo é muito engenhoso, ele-
gante e afinado. O Green Day
aposta nas melodias e fica à es-
pera dos cantos dos estádios.Seus reflexos musicais são for-
tes, embora algumas faixas che-
guem bem perto de reciclar ve-
lhos riffs e mudanças de acor-
des. Mas grande parte do ál-
bum também parece meramen-
te frenética, tentando desespe-
radamente se conectar com
memórias de uma adrenalina
adolescente. Com demasiada
frequência, faz questão de ba-
ter tão forte que não sobra qua-
se nada.Olho no passado. Lightning
Bolt , álbum do Pearl Jam de
2013, parecia trabalhar à sua
maneira, com uma produção
insistentemente enxuta e
músicas à procura de significa-
do. O álbum anterior, de 2009,
ganhara o título de Backspacer ,
como se reconhecesse que o
Pearl Jam estava vasculhando
o próprio passado em busca de
ideias. Mas, depois de um inter-
valo de sete anos, Gigaton apre-
senta uma banda que parece se
sentir muito mais confortável
com sua própria identidade:madura, mas não complacen-
te, pronta tanto para refletir
quanto para berrar. “Quem dis-
se que tudo já foi dito / desistiu
da satisfação”, declara Eddie
Vedder em Who Ever Said , fai-
xa que abre o álbum: “Todas as
respostas serão encontradas /
nos erros que cometemos”.
Essa perspectiva permeia to-
do o Gigaton. Muitas das letras
falam de reconhecer e apren-
der com o passado, mas não fi-
car atolado nele, e de tentar
transcender um presente ár-
duo. E a música em si se esfor-
ça para cumprir esses objeti-
vos. Ela continua se estirando,
curtindo o momento e se fazen-
do na interação ao vivo que a
banda construiu ao longo das
décadas, mas também extrapo-
lando para algo novo.
Até as faixas que começam
dos jeitos clássicos do Pearl
Jam – o riff rasgante, a marcha
acelerada, a balada sombria –
geralmente se abrem para no-
vos rumos. O Pearl Jam conta
com um novo coprodutor emGigaton : Josh Evans, que tem
uma longa ligação com a banda
e os projetos solo de seus mem-
bros. Encorajado por Evans, o
Pearl Jam deixa as músicas
crescerem com uma riqueza
neo-psicodélica: nuvens de
harmonia vocal e tonalidades
de guitarra, sutis balanços de
teclado, passagens instrumen-
tais impulsivas, jogos de per-
cussão.
As composições de Gigaton
vêm de toda a banda, presumi-
velmente peneiradas nesses se-
te anos. Embora Vedder tenha
escrito a maioria das letras, co-
mo de costume, também há
músicas inteiramente compos-
tas pelo baterista Matt Came-
ron ( Take the Long Way , com
riffs de guitarra em 7/4), pelo
baixista Jeff Ament (a tilintan-
te e meditativa Alright ) e pelo
guitarrista Stone Gossard
( Buckle Up , uma balada psych-
folk meio perturbada, com
uma linha de guitarra em espi-
ral e versos sobre assassinato).
Dance of the Clairvoyants , a
única música creditada a toda
a banda (que também conta
com o guitarrista Mike Mc-
Cready), é uma tacada cheia de
efeitos: um exercício de batida
funk com os vocais de Vedder
ecoando o David Byrne do ál-
bum do Talking Heads Born
Under Punches , de 1980. Em
Quick Escape , de Vedder e
Ament, a banda emula o Led
Zeppelin – guitarras robustas e
lamuriantes em cima de bate-
ria e baixo agressivo – enquan-
to Vedder canta versos sobre
uma excursão ao Marrocos
que se transforma em exílio
em Marte. A banda parece es-
tar se divertindo bastante.
Não são músicas destinadas
a arregimentar novos converti-
dos numa era de dancinhas no
TikTok, produções no laptop e
murmúrios gravados na sala
de casa. Suas ambições ainda
têm as arenas em mente: não
estão dispostas a fazer conces-
sões, mas estão mais que pron-
tas para abalar as estruturas da
arquibancada, se e quando as
turnês puderem acontecer. /
TRADUÇÃO DE RENATO
Em Los Angeles. Green Day, com seu pós-punk, se apresenta no evento Game Awards de 2019, antes de um ano desafiador PRELORENTZOUOS DESAFIOS
DE PEARL JAM E GREEN DAY
LUCAS JACKSON/REUTERSCHLOE AFTEL/ THE WASHINGTON POSTPearl Jam.
Banda
participa da
cerimônia de
2017, em
Nova York,
do evento
Rock & Roll
Hall of FameMúsica*