Adega - Edição 174 (2020-04)

(Antfer) #1

QUEM DISSE | para BEBER e COMENTAR


106 ADEGA >> Edição^174


Paris
Contra o crepúsculo
O vinho assoma, exulta, sobreleva
Muda o cristal da tarde em rubra pompa
Ganha som, ganha sangue, ganha seios
Contra o crepúsculo o vinho
Menstrua a tarde.

Ah, eu quero beber do vinho em grandes
haustos
Eu quero os longos dedos líquidos
Sobre meus olhos, eu quero
A úmida língua...

O céu da minha boca
É uma cúpula imensa para a acústica
Do vinho, e seu eco de púrpura...
O cantochão do vinho
Cresce, vermelho, entre muralhas súbitas
Carregado de incenso e paciência.
As sinetas litúrgicas
Erguem a taça ardente contra a tarde
E o vinho, transubstanciado, bate asas
Voa para o poente

O vinho...


Uma coisa é o vinho
branco
O primeiro vinho, linfa da
aurora impúbere
Sobre a morte dos peixes.
Mas contra a noite ei-lo que se
levanta
Varado pelas setas do poente
Transverberado, o vinho...
E o seu sangue se espalha pelas ruas
Inunda as casas, pinta os muros, fere
As serpentes do tédio; dentro
Da noite o vinho
Luta como um Laocoonte
O vinho...

Ah, eu quero beijar a boca moribunda
Fechar os olhos pânicos
Beber a áspera morte
Do vinho...

Do site viniciusdemoraes.com.br

O Sacrifício do Vinho

Free download pdf