Adega - Edição 174 (2020-04)

(Antfer) #1

Edição 174 >> ADEGA 79


Projetos que mais parecem aventuras
em lugares inóspitos talvez revelem
o futuro da vitivinicultura na América do Sul

O futuro


está no sul


P

ara chegar ao lugar, é preciso embar-
car em uma pequena lancha saindo
do povoado de Tenaún, na ilha de
Chiloé, cerca de 1.100 quilômetros
ao sul de Santiago. Depois de meia
hora de viagem, passando por pequenas ilhotas
e praias desabitadas, por fim chega-se à ilha de
Añihue. Apenas 150 pessoas aproximadamente
vivem ali, um lugar de águas calmas com o fundo
repleto de mexilhões. Nesse lugar remoto, a Viña
Montes plantou um par de hectares no inverno
de 2018.
Em um primeiro olhar, pode-se descrever esse
novo vinhedo de Montes como um experimento
ou, no melhor dos casos, como uma aventura. E
é ambas as coisas. Com 1700 milímetros de chu-
va ao ano e outonos frios, que tornam muito difí-
cil a maturação completa das uvas, este vinhedo
de Riesling, Albariño e Pinot Noir, entre outras
variedades, pareceu que nunca funcionaria, mas,
em meio ao verão, dois anos depois do cultivo, a
vinha está sã, reluzindo com suas folhas verdes
no meio de um bosque de murtas. É uma aventu-
ra, mas também é um olhar para o futuro vitícola
da América do Sul.
Outros mil quilômetros mais ao sul, cruzando
o que sobra de uma desmembrada Cordilheira
dos Andes, no ponto mais profundo da Patagônia
argentina, o empresário Alejandro Bulgueroni
(da vinícola Garzón, no Uruguai) começou o

projeto Otronia em 2007. Hoje tem 50 hectares
e vários vinhos para mostrar, entre eles um Char-
donnay singular que não se parece com nada do
que alguém já tenha provado antes com esta cepa
na Argentina. E não podia ser de outra forma,
vindo desse lugar com tanto vento, com chuvas
escassas e temperaturas baixas – um deserto frio
em que no verão há 14 horas de sol (a fotossíntese
não é o problema) e no inverno as noites duram
12 horas, noites frias que asseguram a acidez nos
seus vinhos.
Estes são dois dos projetos mais radicais no
sul da América do Sul. Mas há mais. Trevelin,
um pouco mais ao norte na Patagônia argentina;
Osorno e Malleco, no sul do Chile, todas áreas
que se converteram em pequenas comunidades
de produtores que estão aproveitando a singula-
ridade de um clima para fazer vinhos de muito
caráter, de muito atrevimento.

Caminho natural e outros desafios
E é natural que seja assim, pois é, de certa forma,
óbvio que se explore o sul, sobretudo em vista da
mudança climática que, nesse lugar do mundo,
está se convertendo em severa escassez de água e
verões extremamente quentes que trazem muitas
dificuldades para os viticultores em busca de vi-
nhos com equilíbrio.
A água é um tema maior. E seguirá sendo. No
Chile, sobretudo no norte, em vales como Limarí
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