matias

(Zelinux#) #1
REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS

os homens estendido, e sutilizado tanto, que de ilação
em ilação vêm a chegar ao ponto, que não há mal por
maior que seja, que não seja tolerável; e a da mesma
sorte de consequência em consequência vêm a concluir,
que não há iniquidade que não seja às vêzes
necessária, nem injustiça, que não seja justa. Pren-
dam-se pois as mulheres para que se evite o mal de que
elas amem; sejam conduzidas por fôrça para os
claustros, para que não suceda que as amemos nós;
saiam do berço para aquelas sepulturas, porque pode
haver perigo na demora; e assim conheçam a morte,
antes de conhecerem a vida; e saibam como é a prisão,
antes de saberem como é a liberdade.

O nosso engenho todo se esforça em pôr as (117) coisas
em uma perspectiva tal, que vistas de um certo modo, fiquem
parecendo o que nós queremos que elas sejam, e não o que
elas são. O discurso é como um instrumento lisonjeiro, por
meio do qual vemos as coisas, grandes ou pequenas, falsas ou
verdadeiras. O nosso pensamento não se acomoda as coisas,
acomoda-se ao nosso gôsto. O amor, a vaidade e o interêsse
são os moldes em que as coisas se formam e configuram para
se apresentarem a nós; e com efeito nenhuma coisa se nos
mostra como é, contra nossa vontade. Nunca estamos tão indi-
ferentes, como nos parece; as paixões não consentem
neutralidade, aquilo que entendemos, que nos não importa,
costuma levar consigo um interêsse oculto, por onde nos
importa mais. O amor e a vaidade, às vêzes se concentram e
disfaçam tanto, que nós mesmos dentro de nós, os não
podemos descobrir apenas se fazem visíveis pelas obras;
semelhantes ao fogo escondido na pederneira, que

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