MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
(119) Que se enfureça o mar, que o universo trema,
e que as nuvens chovam raios, nada atemoriza a uma
consciência justa: a virtude leva consigo a
tranquilidade; esta é semelhante a um dia sereno e
claro, em que todo o horizonte se cobre insensivel-
mente de uma luz brilhante e igual; e em que tôda a
natureza se alegra, e enche de vigor e alento: então se
vê que os campos vàriamente matizados, mostram a
verdura mais viçosa, e que de mil produções diversas
formam um labirinto fácil, vivo e agradável; então o ar
puro e imóvel, faz que as fontes corram, e não
murmurem; que as aves cantem com mais suavidade, e
mais ternura; e que as flores cresçam livremente: assim
devia ser, porque em um belo dia, não há vento que
encrespe as águas, que perturbe as aves e que desfolhe
as flores: só então é que os montes são anfiteatros, que
servem de decoração aos vales; e êstes pelo seu
silêncio, são os que despertam na memória, uma
contemplação ativa, cheia de fervor e saudade;
finalmente em uma alma virtuosa tudo é descanso e
paz. Neste estado vive aquela que foi ser religiosa
verdadeira; a outra que só o foi no modo da cerimônia,
vive aflita, arrependida e embaraçada; tudo parece que
lhe foge; nada alcança, sempre traz oprimida a
vontade, o desejo ansioso, a esperança cansada, os
passos irresolutos e o pensamento ocupado em am-
bições, amores e vaidades. Não pode haver maior
desassossêgo porque a ambição, por mais que consiga,
nunca se contenta, e a inveja que a acompanha, só lhe
faz notar com aversão os bens dos outros; a vaidade em
presunções e altivezes, se consome; a arrogância que
lhe assiste, para sua confusão, faz acordar nas gentes a
notícia de uma origem miserável, e por consequência
de um injusto e mal fundado orgulho: o amor todo se
compõe de