REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
pito se extingue em um instante. Os heróis nunca
chegam a durar um século; as suas ações não duram
mais, se a fortuna lhes não dá na república das letras
alguma pena ilustre, que conserve a vida daquelas
mesmas ações, já sucedidas, já passadas, e já mortas. A
vaidade das ciências por ser uma vaidade pacífica na
aparência, não deixa de ser altiva, e arrogante. As
águas, que vão fazendo escumas, e que correm com
ruído, não são as que assustam mais; aquelas que
parecem negras, que passam em silêncio, e que apenas
se movem, essas são donde o perigo é certo: nas praias
é donde o mar se levanta mais e faz estrondo; donde é
pego verdadeiro, em que as ondas como em campo lar-
go em si mesmas se abrem, se suspendem, e revolvem,
não tem o mar bramidos nem furor, mas é lá donde o
risco é grande. O dano não costuma estar tanto donde
se mostra, como donde se esconde: assim são as letras,
e assim são as armas, estas fazem o rumor, aquelas o
estrago; as armas fazem o mal, mas acabam com êle, as
letras o mal que fazem, dura; as armas, causam; as
letras, não; a espada nem sempre pode usar de fôrça, e
de traição; a pena sempre pode ser traidora e aleivosa;
é arma que não pode acautelar-se; quanto mais leve e
mais sutil, mais perigosa: aqui vem a serem as letras de
algum modo inexpugnáveis, e por consequência vai-
dosas, porque o ser invencível precisamente influi
vaidade; os combates das ciências entre si, são com-
bates invisíveis, em que ninguém se rende; e o ren-der-
se valeria o mesmo que uma confissão expressa de
ignorância; e com efeito, de quem cede, nunca se
presume haver cedido, porque conheceu a razão alheia,
mas por falta de saber sustentar a sua; a fraqueza não
se atribui à proposição, mas a quem