REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
primeiros movimentos reservou-os para si a Provi-
dência; o homem só ficou exposto a êles, para os
admirar, e não para os saber. A vaidade das ciências
tôda se cansa em conjeturas, que faz passar por
demonstrações; quando supõe, que encontra a parte,
em que pode desatar o nó, então o aperta mais: os
discursos perdem-se na imensidade vaga de uma
matéria impenetrável; a natureza sabe iludir todos os
nossos estudos, e conceitos; não é mais fácil no que
mostra, do que no que esconde; não é menos reservada
no que produz à superfície da terra, do que naquilo que
forma no seu centro; só ela conhece as suas leis, e os
seus segredos: vemos nascer a flor, cresce à nossa
vista; mas nem por isso sabemos o como a flor nasce,
nem o como cresce: a dificuldade sempre fica sendo a
mesma: o nosso engenho todo se evapora, em belas
fantasias, e em razões notáveis; mas estas só servem de
enganar, ou de entreter a mocidade que começa, e que
ainda não sabe por experiência, que a maior parte das
coisas de que o mundo se compõe, nem se podem
ensinar, nem aprender. A vaidade da sabedoria humana
não se funda na certeza da ciência, mas na certeza da
cadeira; esta à maneira de uma tôrre inexpugnável
infude terror; e o discípulo dócil, e inocente, recebe
como de um oráculo as decisões do mestre: os que
estão debaixo da disciplina, vêem o barrete doutoral,
como se fôsse um resplendor, de cuja luz se não
duvida, por isso a vaidade do mestre exige respeito, e
credulidade: esta é a primeira lição; a verdade sempre
nos parece que está no lugar mais alto, e que brilha
mais; e se a buscamos em outra parte, é sem ânsia,
nem cuidado: o aparato exterior não só nos dispõe,
mas também nos persuade; os olhos assombrados, não
deixam o ânimo livre para