REFLEXÕES SÔBRE A VAIDADE DOS HOMENS
acaba em nós o gôsto, do que nelas a duração; unica-
mente sensíveis quando começamos a ter, ou a al-
cançar; então gozamos, depois só possuímos. Os
objetos depois de vistos muitas vêzes ficam como
diferentes da primeira vez que os vimos; perdem todo
o nosso reparo e atenção: os olhos fàcilmente se
esquecem do que sempre vêem, não porque o costume
nos tire a admiração, mas porque a fraqueza dos nossos
sentidos a não pode conservar. Oh, quão diversos são
em si os princípios de que se compõe o homem;
primeiramente terra, e ultimamente racional! Começa a
melhorar-se desde a sua primeira origem, até que vem
a tornar àquilo de que procedeu. Infeliz metamorfose!
Tudo o que nasce é para não ser firme nem constante: a
terra apenas alenta as suas produções, quando logo as
deixa, e desanima; o mesmo firmamento, com giro
rápido, esconde pela tarde os astros que amanheceram
com a aurora. Só a vaidade é constante em nós; em
tudo o mais a firmeza nos molesta: com o tempo e a
razão vimos a perder uma grande parte da sensibilidade
no exercício das paixões; porém o exercício da vaidade
não se perde com a razão nem com o tempo. O nosso
gôsto debilita-se, altera-se, muda-se, e também se
acaba; a vaidade sempre persiste e dura: isto deve ser,
porque os nossos sentidos usam-se; a vaidade não:
naqueles o costume os enfraquece, nesta o costume
aumenta a aviva. A jurisdição dos sentidos é muito
limitada, porque os olhos só vêem, os ouvidos só
ouvem, e o tato só sente; e para haver ainda menos
firmeza nos sentidos, êstes quase sempre estão
enfermos; e não pode haver constância, donde pode
haver enfermidade; de sorte que a inconstância não é
mais do que enfermidade dos sentidos. As nossas ações
dependem mais