MATIAS AIRES RAMOS DA SILVA DE EÇA
gria muitas vêzes nos soçobra; não só o excesso, mas
ainda a mediocridade dela; porque nunca a gozamos
sem alguma perturbação: um receio insensível de a
perdermos, basta para oprimir-nos, e por mais que o
contentamento nos extasie, nunca nos deixa em estado
de não sentir. A vaidade satisfeita não nos entrega à
alegria, sem primeiro a temperar, com a mesma
equidade com que nunca nos entrega todos à tristeza.
A união do gôsto com o pesar não é incompatível por
mais infinita que nos pareça a distância de um a outro
extremo. Também a vaidade, e a humildade muitas
vêzes se encontram, se unem e se conservam.
(83) A mais pura alegria é aquela que gozamos no
tempo da inocência; estado venturoso, em que nada
distinguimos por discurso, mas por instinto; e em que
nada considera a razão, mas sim a natureza. Então
circula veloz o nosso sangue, e os humores que em um
mundo nôvo e resumindo, apenas têm tomado os seus
primeiros movimentos, os humores são os que
produzem as nossas alegrias; e com efeito não há
alegria sem grande movimento; por isso, vemos que a
tristeza nos abate, e a alegria nos move: o sossêgo
ainda que indica o contentamento, contudo mais é
representação da morte que da vida; e a tranquilidade
pode dar descanso, porém alegria não a dá sempre.
Mas como pode deixar de ser pura a alegria dos
primeiros anos, se ainda então a vaidade não domina
em nós? Então só sentimos o bem, e o mal, que resulta
da dôr, ou do prazer; depois também sentimos o mal, e
o bem da opinião; isto é da vaidade: por isso muitas
coisas nos alegram, que tomadas em si mesmas, não
têm mais