REFLEXÕES SOBRE A VAIDADE DOS HOMENS
O amor não se pode definir; e talvez que esta (89) seja a
sua melhor definição. Sendo em nós limitado o modo de
explicar, é infinito o modo de sentir; por isso nem tudo o que
se sabe sentir, se sabe dizer: o gôsto, e a dor, não se podem
reduzir a palavras. O amor não só tem ocupado, e há de ocupar
o coração dos homens, mas também os seus discursos; porém
por mais que a imaginação se esforce, tudo o que produzir a
respeito do amor, são átomos. Os que amam não têm livre o
espírito para dizerem o que sentem; e sempre acham que o que
sentem é muito mais do que o que dizem; o mesmo amor en-
torpece a idéia, e lhes serve de embaraço: os que não amam,
mal podem discorrer sobre uma impressão, que ignoram; os
que amaram, são como a cinza fria, donde só se reconhece o
efeito da chama, e não a sua natureza; ou também como o
cometa, que depois de girar a esfera, sem deixar vestígios
algum, desaparece.
Conhecemos as coisas, não pelo que elas são em (90) si,
mas pela diferença, que entre elas há; e esta diferença consiste
em não serem umas o mesmo que outras são; a essência das
coisas nos é totalmente oculta; e assim conhecemos os
objetos, pela diversidade das figuras, e não pela substância
dêles; a nossa notícia, toda se compõe de comparações; por
isso aquilo que não tem coisa, que lhe seja em alguma parte
semelhante, fica sendo inexplicável: isto sucede ao amor;
ninguém o pode explicar verdadeiramente, porque não há
coisa, a que seja verdadeiramente comparável; o mais a que o
conceito chega, é a servir-se de expressões opostas entre si;
como