ro e que todos os epicuristas gregos bem como os latinos Cícero e Lucrécio, que
dispunham dos textos, atribuem a teoria do clínamen diretamente a Epicuro.
Quanto à segunda objeção, é preciso evitar anacronismos que levam a identifi
car o conceito antigo e o moderno de necessidade (vindo do pensamento do
século XVII), ou seja, é preciso compreender qual é o sentido da ideia de necessi
dade no pensamento grego e, particularmente, no pensamento helenístico. Se,
por exemplo, tomarmos a necessidade natural em Aristóteles, vemos que é co
mandada pela ideia de finalidade, isto é, pelo desejo de todos os seres de alcançar
a perfeição ou imobilidade do divino ou Primeiro Motor Imóvel. Se nos voltar
mos para os contemporâneos de Epicuro, isto é, os estoicos, a necessidade natu
ral é identificada ao destino, uma ordem determinada com que a Natureza tes
temunha o comando de um pensamento racional divino, a Providência. Ora,
Epicuro se opõe a essas duas concepções da necessidade, que considerava fábu
las porque fundadas em princípios ou seres transcendentes. Assim, a teoria da
declinação dos átomos, menos do que afirmação do acaso e do arbitrário na
Natureza, é introduzida para assegurar a autonomia do cosmo, a imanência de
suas leis e impedir fundá-lo num princípio transcendente de ordenação do uni
verso. Em outras palavras, Epicuro está menos preocupado em explicar as cau
sas de cada fe nômeno natural e mais interessado numa tese negativa, qual seja,
a de que tais fenômenos não são causados por seres divinos transcendentes nem
pelo destino, pois essas suposições perturbam a alma, uma vez que conduzem
os homens a imaginar que estão sujeitos aos caprichos de vontades desconheci
das. A necessidade natural não é afastada, mas limitada à ideia de regularidade
porque esta assegura a tranquilidade da alma.
Na Carta a Heródoto, escreve Epicuro:
Sobre os corpos celestes, não se deve crer que o seu movimento e as suas revoluções,
o surgimento e o ocaso, e outros fe nômenos desse tipo, aconteçam por obra de al
gum ser que assim dispõe ou tenha disposto, gozando, ao mesmo tempo, da mais
plena felicidade na imortalidade [ ... ]. E tampouco se deve crer que esses corpos não
sejam mais do que a condensação do fogo, capaz de possuir felicidade e realizar os
seus movimentos por espontâneo ato de vontade. Mas em todas as expressões que
se referem a tais noções é preciso conservar intacto o caráter venerando, e esforçar
-se para que nelas nada contradiga tal caráter: essa contradição, de fa to, traria para
as nossas almas a máxima perturbação. Por isso deve-se pensar que o seu movimen-102