Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

A psicologia


Visto que só há corpos, a alma (psyché*) é um corpo e seu estudo pertence à
física. A psicologia de Epicuro é, portanto, inseparável da física e encontra-se ex­
posta na Carta a Heródoto, onde lemos que "alma é um corpo composto de partí­
culas sutis, disseminadas por todo o agregado que constitui nosso corpo". Uma
vez que a única coisa incorpórea que pode ser concebida por nós é a realidade in­
tangível ou o vazio - o qual, justamente por ser incorpóreo, é impassível e imó­
vel, não age nem padece -, "os que dizem que a alma é incorporaI falam para
nada dizer", pois, se assim fosse, "ela não poderia agir nem padecer", mas sabe­
mos por experiência que ela age e padece.
Assim, em oposição a Platão e a Aristóteles, Epicuro concebe a alma como
material e mortal, dissipando-se quando o agregado que é seu corpo se desagrega.
Não há porque temer a morte, pois é um acontecimento físico do qual não pode­
mos ter experiência e, portanto, nenhum conhecimento. Como vimos anterior­
mente, a morte nada é para os vivos porque ainda não lhes aconteceu; e nada é
para os mortos porque eles nada mais são.
A alma é um corpo sutil, composto de quatro elementos: um alento ou so­
pro ou hálito (pneúma), um fogo ou calor, um ar ou frio e um quarto elemento
sem nome, responsável pela mistura dos outros três. Nessa mistura, encontram­
-se todas as potências da alma, as afecções, os movimentos, os pensamentos e seu
poder vital. Por que o quarto elemento sem nome? Porque cada um dos três ele­
mentos nomeados possui uma função própria, mas nenhum deles pode explicar a
propagação das sensações pelo corpo e alguns acontecimentos como o pensa­
mento, o juízo, a memória, o amor e o ódio. Para isso é preciso um quarto tipo de
átomo. O quarto elemento sem nome é responsável pela propagação dos movi­
mentos portadores de sensação aos outros elementos da alma e através de todo o
corpo, e pelos acontecimentos psíquicos que não podem ser atribuídos aos três
elementos. Alguns intérpretes consideram os três elementos como a parte irra­
cional da alma e o quarto, a parte racional.
Para que haja sensação, é preciso que a alma esteja unida ao corpo, pois é
este que lhe permite o exercício do sentir. Mas, simultaneamente, é ela que o
torna sensível, ou como escreve Epicuro, "a alma é a causa principal da sensibili­
dade". A sensação é uma espécie de tato, ou seja, é sempre um contato com outros
corpos, mesmo no caso da audição e da visão. A causa da audição é uma corrente


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