todos os valores e bens espirituais. Também não é um estado passageiro ou fugaz,
mas um estado permanente de equilíbrio das partes do corpo, isto é, o que expe
rimenta um corpo com saúde. Eis porque o prazer é conforme à Natureza e bus
cá-lo é conforme à nossa natureza, ou, para usarmos a fórmula helenística, viver
segundo o prazer é "viver conforme à natureza". Visto que natureza se diz physis,
todo prazer, porque natural, é rigorosamente fisico, de maneira que os prazeres
espirituais são fisicos tanto no sentido etimológico da palavra como em decorrên
cia da corporeidade da alma.
Embora todo prazer seja corpóreo, nem por isso todo prazer é um verdadei
ro bem, sendo necessário distinguir entre o prazer estável ou em repouso e prazer
em movimento ou prazeres que acabam em pesares e dores ou que partem de
carências sempre insatisfeitas. Sem dúvida, há prazeres em movimento que são
bons, como saciar a fome e a sede, aquecer-se quando se tem frio. Todavia, esses
prazeres precisam ser continuamente renovados porque as carências que o mo
vem também são incessantes (voltamos a ter fome, sede ou frio). Em contraparti
da, o prazer em repouso, porque não parte de necessidades e carências, é sempre
isento de dor, sofrimento ou perda. O verdadeiro prazer é serenidade ou tranqui
!idade do corpo e da alma.
"Ninguém escolhe o mal deliberadamente", escreve Epicuro, entretanto,
quem é "seduzido por ele porque se apresenta sob a forma do bem e perdendo de
vista o mal maior que dele seguirá, caí numa armadilha". Por isso, cabe à alma
realizar três operações, graças às quais ficaremos protegidos da sedução do mal
disfarçado em bem: avaliar a qualidade dos prazeres, auxiliando a escolher aqueles
que são isentos de dor futura; rememorar prazeres passados para minorar sofri
mentos presentes que não pudemos evitar; e antecipar prazeres futuros porque
nos livra do medo, da credulidade, da superstição e da ignorância, permitindo-nos
alcançar a ataraxía, essa ausência de perturbação que é propriamente o prazer
supremo.
Na Carta a Meneceu, lemos:
To do prazer, tomado em si mesmo e em sua natureza própria, é um bem; entretan
to, nem todo prazer é para ser buscado; da mesma maneira, toda dor é um mal; en
tretanto, nem toda dor deve ser evitada. Em todos os casos, cada prazer e cada dor
devem ser avaliados pela comparação das vantagens e desvantagens a esperar.r0 7