Deixa-nos participar dessa sabedoria com que governas todas as coisas com justiça
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Para os deuses e para os homens,
Não há honra maior do que cantar para sempre e como se deve, a lei universal.Este é o "Hino a Zeus", do estoico Cleanto.
Nele estão concentradas algumas das teses fundamentais do estoicismo: a
divindade como lei natural imanente ao universo, razão universal ou fogo vivente
de que todas as coisas são parcelas; o universo como harmonia dos contrários e
medida ou justiça; os males como fruto da loucura humana, isto é, como ignorân
cia e desmedida; a sabedoria como conhecimento da lei universal, que governa as
coisas, os homens e os próprios deuses.
Nessas teses é impossível não reconhecer o contraste entre a filosofia estoica
e a epicurista, perspectiva cultivada pelos próprios estoicos e epicuristas e que
instituiu, na história da filosofia, uma tradição interpretativa de longa duração.
De fato, como observa Jacques Brunschwig, a escola estoica foi fundada
cinco ou seis anos depois da epicurista e, pela importância de ambas na cena filo
sófica helenística, seus contrastes foram desde muito cedo amplamente mencio
nados, a ponto de serem consideradas opostas sob todos os aspectos.
Assim, do lado de Epicuro, há desprezo pela cultura tradicional, pela dialéti
ca, pela tecnização artificial da linguagem filosófica; do lado estoico, há um inte
resse incansável pela análise e prática de todas as fo rmas do discurso e da razão.
Na fisica, os epicuristas retomam o materialismo atomista de Demócrito, antite
leológico, descontinuísta e mecânico, enquanto o materialismo estoico se inspira
em Heráclito e elabora uma fisica continuísta, dinâmica e orgânica. Epicuro con
cebe uma cosmologia na qual coexistem mundos inumeráveis que se sucedem no
universo infinito sem qualquer intervenção divina para seu aparecimento e sua
desaparição, nem para seu funcionamento; os estoicos concebem um mundo
único, totalmente unificado e penetrado pela razão divina e providencial. Do lado
epicurista, vigora uma ética do prazer e uma política utilitária, destinada apenas a
garantir segurança aos indivíduos e na qual o sábio não deve intervir; do lado es
toico, uma ética rigorista em que a virtude é condição necessária e suficiente da
felicidade, e uma política da solidariedade, que leva cada um a cumprir os deveres
que sua posição social exige.
Dessas oposições, nasceu a imagem popular do estoico.
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