Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
Duas são as maiores dificuldades para o conhecimento e a interpretação da
filosofia estoica: a pluralidade das doutrinas no correr dos quatro séculos de sua
vigência e a perda dos textos originais do estoicismo antigo.

a) A pluralidade de doutrinas


Num fragmento de texto do neoplatônico Numênio (que viveu na segunda
metade do século lI), lê-se que "os estoicos estão em dissenso uns com os outros"
e que "as dissensões começaram desde o início da escola e não cessaram até
hoje".
A pluralidade de doutrinas provém da menor importância dada pelos estoi­
cos à ideia de ortodoxia. Assim, por exemplo, embora todos os estoicos concebes­
sem a filosofia como um sistema e a maioria aceitasse sua tripartição em fisica (ou
aquilo que diz respeito ao kosmós), lógica (ou o que se refere ao lógos como razão
e discurso) e ética (ou os assuntos concernentes à vida humana), quase todos di­
vergiam quanto a ordem desses conhecimentos no interior do sistema ou sobre
qual dessas partes deveria ser a inicial e fundadora das outras. Essa divergência
transparece nas várias maneiras com que apresentavam a imagem da filosofia:
para alguns, a filosofia se compara a um ovo cuja casca é a lógica, a clara, a ética, e
a gema, a fisica; para outros, ela é como um campo cujas árvores são a fisica, os
frutos, a ética, e a cerca que as protege, a lógica; para outros, enfim, a filosofia é
como um animal de que a lógica são os ossos e os tendões, a fisica, a carne e o
sangue, e a ética, a alma.
Além disso, houve posições efetivamente heterodoxas, como a de Aristo,
que aceitava apenas a ética e recusava a fisica (porque o conhecimento do universo
nos ultrapassa) e a lógica (porque não tem utilidade); ou como as daqueles que
mesclavam ideias estoicas e com as de outras escolas - Panécio e o platonismo,
Posidônio e o aristotelismo. E isso sem mencionarmos as mudanças teóricas ocorri­
das no período imperial, com as obras de Epicteto, Marco Aurélio e Sêneca.
Por esses motivos, Bréhier declara que nunca houve o estoicismo e sim, os
estoicos. No entanto, como observam os helenistas Jonathan Barnes e Jean-Bap­
tiste Gourinat, "o nervo do sistema" pode ser identificado sob as diferenças e di­
vergências:


Em lógica, o estoicismo defendia um empirismo, segundo o qual todos os concei­
tos e todo nosso conhecimento derivam de nossa experiência perceptiva; bem

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