Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

mentos seguros, infalíveis e inabaláveis, se chama ciência (episteme), e a perfeição
desse conjunto constitui a virtude, ou melhor, a excelência, areté.

A askésis não é um estudo teórico e sim a aplicação ou o exercício para fazer
alguma coisa. Os estoicos propõem uma distinção entre o discurso filosófico, a
filosofia como exercício e a sabedoria enquanto efeito do exercício. Assim, a filo­
sofia é uma prática inseparável do discurso filosófico. Discutindo se a filosofia é o
exercício que prepara a sabedoria ou que continua após a aquisição desta última,
os estoicos, seguindo Crisipo, a concebem como preparação para a sabedoria e o
próprio exercício da sabedoria, depois de adquirida a excelência, a areté. Eis por
que o estoicismo se refere a três virtudes ou excelências - a fisica, a lógica e a
ética -, que constituem as três partes da filosofia. De acordo com Diógenes de
Laércio, Crisipo preferia considerar que essas partes se referem ao discurso filosó­
fico e não à filosofia enquanto tal, pois esta é a própria virtude ou "arte do bem
viver" e, como arte, é o exercício conjunto dos três tipos de conhecimento. Em ou­
tras palavras, o discurso filosófico pode ser dividido em três disciplinas, mas a filo­
sofia é a unidade conjunta de três excelências inseparáveis. O discurso se divide,
mas a filosofia é uma totalidade indivisa. Por esse motivo, os estoicos evitam em­
pregar a palavra "parte" mesmo para o discurso e preferem termos como "luga­
res", "espécies", "gêneros".
A originalidade dos estoicos encontra-se na determinação do fundamento
que unifica as três partes ou os três lugares do discurso filosófico ou as três exce­
lências: o lógos, racionalidade imanente (à maneira de Heráclito) que é princípio
da verdade na lógica, princípio produtor e organizador do cosmo na fisica e prin­
cípio normativo na ética. Graças a esse fundamento comum, a filosofia se consti­
tui como sys tema , * que, como observa Victor Goldschmidt, significa solidarieda­
de, coesão e consonância das verdades (dogmata), e é exatamente por isso que a
virtude (no singular) é o exercício conjunto ou simultâneo dessas três partes ou
virtudes (no plural). O homem excelente conhece e pratica as três excelências e a
falta de qualquer uma delas impede que ele seja dito excelente ou virtuoso.
Jacques Brunschwig observa que essa concepção da filosofia punha um
problema teórico e outro no plano pedagógico. O problema teórico, já mencio­
nado brevemente ao nos referirmos às três imagens da filosofia (o ovo, o campo,
o animal), ao falarmos das dissensões entre os estoicos, concernia à relação entre
as três partes ou os três lugares: a relação é circular, recíproca ou linear? Há ou
não subordinação entre os lugares? Se houver, qual deles deve vir primeiro e qual


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