Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
alcance ético, pois a vida do sábio deve estar em harmonia consigo mesma ao
pôr-se em harmonia com o todo, mantendo-se em simpatia com o universo do
qual é parcela e participante. Essa harmonia se exprime no princípio ético funda­
mental-"viver em conformidade com a natureza" - e fundamenta o cosmopo­
litismo do sábio estoico, que não é cidadão de uma pólis determinada, mas do
cosmo.

o destino (eimarméne )
A ideia de destino tem uma longa e poderosa tradição na cultura grega, ma­
nifestando-se de maneira exemplar na tragédia como força transcendente e des­
conhecida que dirige o agente e o pune por aquilo que o obrigou a fazer. No Polí­
tico de Platão, um mito narra que o mundo é conduzido pelo deus segundo um
movimento de rotação e, deixado a si mesmo, o mundo gira no sentido oposto;
quando o deus gira o mundo no bom sentido, tudo caminha da morte para a vida,
tudo rejuvenesce; quando deixado a si mesmo, girando em direção contrária, o
mundo vai da vida para a morte, tudo sofre e envelhece. Na República, o destino
aparece no mito de Er: é a deusa Necessidade (ananké
), acompanhada das Moi­
ras, suas trê s filhas, Laquésis, Cloto e Átropos, que tecem e cortam o fio da vida,
punem os culpados, recompensam os justos e conferem a todos a liberdade de
escolher a vida nova que terão na terra. Essa liberdade, porém, encontra dois limi­
tes, que definem propriamente o destino: no momento da escolha, os hábitos da
vida anterior determinam a escolha da nova vida; uma vez escolhida, a nova vida
torna-se necessária.
Os estoicos afastam a imagem trágica do destino assim como a de uma força
transcendente ou extramundana que dirige os homens sem que estes o saibam. O
estoicismo concebe o destino como uma realidade natural, inscrita na estrutura
do mundo ou da vida que anima o universo inteiro. É neste sentido que a syntonía,
a sympátheia e a krásis exprimem uma disposição imutável e inviolável de todos os
seres, sua homología. O destino é a ordem e conexão naturais de todas as coisas, o
nexo causal necessário ou o nó das causas, que "nunca podem ser forçadas nem
transgredidas". Isso significa, portanto, que não há acaso, contingência, fortuna
(tykhé*) no universo. Destino quer dizer: tudo é necessário.
Não apenas estrutura, o destino é também uma força cósmica e divina, o ló­
gos: força vital, sopro divino, tensão que organiza e contém o todo. É a potência
que anima a simpatia universal, entrelaça as coisas em relações de mútua amiza-


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