uma harmonia preestabelecida entre o acontecimento por vir e o signo que o
anuncia.
Não há incompatibilidade entre ciência e adivinhação. Cada uma delas é
uma perspectiva sobre o mundo: a ciência toma os acontecimentos como causas;
a adivinhação os apreende como signos. O universo é um imenso significante a
ser decifrado. A divinatio é interpretação: interpretar é colocar em relação termos
distantes no tempo, ou melhor, encontrar a conexão entre o acontecimento-signo
e o acontecimento-significado. Ela procede como o médico, que opera com os
sintomas para diagnosticar a doença e prognosticar a cura.8 A interpretação se
realiza em escala cósmica, eleva o homem, tanto quanto possível, a uma visão do
conjunto dos acontecimentos, imitando, dentro dos limites humanos, aquela re
servada ao deus. Procura unir o acontecimento dado num presente parcial à série
das causas que explicam sua origem e sua consequência; ou seja, a interpretação
amplia a percepção do presente e ensina a cooperar ativamente com o destino.
Como observa o helenista Jean-Joel Duhot, a continuidade do universo se
exprime na continuidade dos conhecimentos, pois assim como não há rupturas
entre as coisas, também não as há no saber:
A ausência de ruptura epistêmica se deve à unidade do objeto: um universo uno é o
objeto de um conhecimento uno. Se todos os saberes, apesar de seus caracteres pró
prios, dizem no fundo o mesmo, sua continuidade é menos de extensão do que de
superposição. Todas as ordens exprimem uma mesma realidade e, portanto, a mes
ma visão do mundo, cada um exprime todos e todos se entre-exprimem. [ ... ] Não há
ruptura nem no saber, nem no mundo, nem entre o saber e o mundo, nem entre o
homem e o mundo. Donde a ideia de sistema: o saber é uno, à imagem do universo
(Duhot, 1989, p. 131).O entrelaçamento dos seres e dos acontecimentos é sagrado -obra do deus
providencial-e pode ser entrevisto nas entranhas dos animais, no voo dos pássa
ros, nos sonhos proféticos. A adivinhação é uma relação do homem com a bene
volência dos deuses.
Se os deuses existem e não se dão a conhecer aos homens é porque ou não os amam,
ou julgam que não há qualquer interesse em que saibam o que deverá acontecer, ou
pensam que tal conhecimento não é compatível com sua majestade, ou não podem(^149)