Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

mesmos, a tudo que nos é próximo, como nossa família, e se alargue até alcançar
o conjunto da humanidade. Por isso, a tendência natural à apropriação de si ou à
busca do que nos é apropriado torna-se o princípio natural da justiça, pois nos in­
clina naturalmente ao altruísmo.
Dado que a natureza em seu todo é o lógos, a identidade entre ela e a razão
significa que a tendência ou inclinação, por ser natural, é racional. Por isso, diz
Cícero, os estoicos afirmam que todas as ações morais têm como ponto de partida
a tendência e que a própria sabedoria é uma inclinação natural.
Diógenes de Laércio indica a relação que os estoicos estabelecem entre o
impulso e a razão, de tal maneira que, para os homens, viver segundo o impulso
ou a inclinação significa viver de acordo com a razão:


Enquanto alguns dizem que o primeiro impulso dos animais vai em direção ao pra­
zer, eles afirmam que isso é falso. De fato, dizem que o prazer, se existe verdadeira­
mente, é algo que advém quando a natureza, tendo buscado por si mesma o que se
adapta à sua conservação, obteve-o; e é assim que os animais gozam e as plantas
florescem. A natureza, dizem eles, não fez nenhuma diferença entre as plantas e os
animais, na medida em que ela as governa sem instinto e sensação, e há em nós algo
de vegetal. Havendo nos animais também o impulso, pelo qual buscam o que lhes
convém, a vida segundo a natureza é regulada pelo impulso. E uma vez que a razão
fo i dada de modo mais perfeito aos seres racionais, o viver retamente segundo a ra­
zão é, para eles, viver segundo a natureza. Com efeito, a razão é o artesão acrescen­
tado à tendência (Diógenes de Laércio, VII, 85).

o que permite a relação entre a tendência e a razão é a continuidade entre
elas, a conformidade de ambas com a natureza de um indivíduo. Assim, a unidade
do agente encontra-se tanto quando as coisas são buscadas por apetição, como
quando são buscadas por escolha, pois, nos dois casos, elas são apenas a ocasião
para que ele se aproprie de si mesmo.
A razão modela a tendência como um artesão modela o barro ou o bronze,
conferindo-lhe um sentido, isto é, uma certa ordem. Começa explicitando o con­
veniente (kathekon) em cada uma de nossas inclinações, ou seja, indicando o que
convém fazer em cada situação, as finalidades e normas convenientes de uma
ação, de sorte que não agimos sem dar, explicita ou implicitamente, nosso assen­
timento a um conveniente. Como nossa conduta se torna a aplicação de regras

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