Para esclarecer o que os estoicos entendem por estar em nosso poder ou
depender de nós, escreve Jacques Brunschwig:
Para dar um sentido mínimo à ideia de responsabilidade moral não é preciso que
nossas ações sejam sem causa, nem que tenham causas exteriores independentes de
nós: é preciso que sejam verdadeiramente ações nossas, isto é, que sejamos as cau
sas. Sem dúvida, nãó somos causa completas: nossas decisões, como todas as coisas,
não nascem do nada; são suscitadas pelas impressões vindas do exterior e que, com
relação às impressões sensíveis de tipo ordinário, têm a particularidade de nos apre
sentar as coisas não como brancas ou negras, mas ou quentes, mas como "a pegar"
ou "a rejeitar"; disso decorre que não suscitam apenas crenças ("isto é bom de pe
gar"), mas também ações ("eu pego"). Mas não as suscitam imediatamente nem
automaticamente: como a gênese das crenças, a da ação supõe um momento de as
sentimento, que "depende de nós", não no sentido de que poderíamos dá-lo ou re
cusá-lo de maneira arbitrária e sem nenhuma razão, mas no sentido de que dá-lo ou
recusá-lo depende de nossa natureza, de nosso caráter e singularmente de nosso ca
ráter moral, de nosso sistema de valores, da pessoa moral que somos duradoura
mente (Brunschwig, 1997, p. 549).
É este, explica o helenista, o sentido das metáforas do cone e do cilindro,
oferecidas por Crisipo.
- A ação ética
Victor Goldschmidt examina a diferença entre Platão e Aristóteles, de um
lado, e os estoicos, de outro, quanto às metáforas com que ilustram a ação ética.
Platão compara o sábio ao artesão ou ao demiurgo, cuja ação imita a perfei
ção das ideias, de tal maneira que o valor de seu ato não se encontra no próprio
ato e sim naquilo que ele imita, o ser verdadeiro. Aristóteles não aceita a compa
ração platônica porque distingue entre a ação técnica e a ética, entre a poiésis e a
práxis: a primeira tem seu fim fora de si mesma (a finalidade da ação do pedreiro
não é algo no próprio pedreiro e sim a casa, objeto que lhe é exterior), enquanto a
segunda é seu próprio fim. Compara o sábio ao arqueiro, que visa e atinge o alvo.
Embora na práxis o agente não se distinga nem se separe da ação, a metáfora do
arqueiro indica que há uma distância entre ele e a finalidade da ação. A metáfora
platônica e a aristotélica, diz Goldschmidt, são próprias de filosofias nas quais o
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