Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

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para um aspecto da variedade do mundo. Aquele, proclamavam os alexandrinos, era
um lugar onde a memória era mantida viva, onde cada pensamento escrito encon­
trava seu nicho, onde cada leitor podia descobrir o próprio itinerário traçado. Linha
após linha, em livro talvez ainda por abrir, onde o próprio universo encontrava seu
reflexo em palavras (MangueI, 2006, p. 29).

Essa imagem da Biblioteca como espelho do universo inspirou o célebre dito
de Mallarmé de que o mundo existe para tornar-se livro, ou O Livro, assim como
inspirou o conto de Borges (que durante muitos anos dirigiu a Biblioteca N acionaI
de Buenos Aires), '�biblioteca de Babel":


o universo (que outros chamam Biblioteca) se compõe de um número indefinido, e
talvez infinito, de galerias hexagonais, com vastos poços de ventilação no meio,
cercados por varandas baixíssimas. De qualquer dos hexágonos, se veem os andares
inferiores e superiores: interminavelmente. [ ... ] No saguão há um espelho, que fiel­
mente duplica as aparências. Os homens costumam inferir desse espelho que a Bi­
blioteca não é infinita (se o fosse realmente, para que essa duplicação ilusória?); eu
prefiro sonhar que as superficies lisas figuram e prometem o infinito ... [ ... ] A Biblio­
teca existe ab aeterno. Dessa verdade, cujo corolário imediato é a eternidade futura
do mundo, nenhuma mente razoável pode duvidar. [ ... ] A Biblioteca é ilimitada e
periódica. Se um viajante eterno a atravessasse em qualquer direção comprovaria,
ao cabo dos séculos, que os mesmos volumes se repetem na mesma desordem (que,
repetida, seria uma ordem: a Ordem) (Borges, ':A Biblioteca de Babel").

Não se sabe como se deu o desaparecimento da Grande Biblioteca. Segundo
um relato de Plutarco, durante a permanência de Júlio César em Alexandria, em
47 a.c., um incêndio se espalhou do Arsenal à Biblioteca, destruindo-a. Outros,
porém, relatam que, naquela ocasião, o fogo queimou quarenta mil volumes, mas
não toda a Biblioteca. Uma crônica cristã (de cuja veracidade, evidentemente, se
deve desconfiar) afirma que a Biblioteca fo i incendiada por ordem do califa Ornar
I, em 642, com a seguinte argumentação: os livros ali existentes, se concordam
com o Livro Sagrado (o Alcorão) são redundantes; se discordam, são indesejáveis.
E, nos dois casos, devem ser lançados ao fogo. O imaginário da biblioteca devora­
da pelas chamas por conter um livro contrário ao Livro Sagrado (agora, a Bíblia)
ressurge na obra de Umberto Eco, O nome da rosa, inspirado certamente no conto

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