Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

médicos Herófilo de Calcedônia (que recolheu e compilou a doutrina dos humores,
de origem hipocrática) e Erasístrato de Quios, chamados médicos racionalistas.
Deve-se a Herófilo o abandono definitivo da ideia segundo a qual o órgão cen­
tral do corpo vivo é o coração, graças à demonstração de que tal órgão é o cérebro,
o que também permitiu demonstrar as diferenças entre os nervos sensitivos e os
motores. Essas demonstrações possuíam justificação teórica de inspiração aristoté­
lica, pois Herófilo mantinha uma ideia vinda de Das partes dos animais, de Aristóteles,
segundo o qual a descrição anatômica de uma parte (um órgão) não é suficiente
para determinar sua fisiologia, ou seja, suas funções ou faculdades (djnameis), que
só podem ser descobertas pelo estudo de outros fenômenos. Em suma, a anatomia
oferece a estrutura do corpo, mas esta é inerte e nada ensina sobre a atividade cor­
poral, que decorre da interação causal entre os órgãos; numa palavra, a ciência,
como dissera Aristóteles, é conhecimento das causas e somente a fisiologia pode
oferecê-lo. Donde, de um lado, a afirmação de que os humores são as causas das
doenças, e, de outro, a importância da dissecção e da vivisseção ou da observação
dos efeitos de ligar ou cortar as partes. Suas dissecções do olho permitiram-lhe ser o
primeiro a distinguir as quatro membranas ópticas e isolar o nervo óptico. Introdu­
ziu a ideia de faculdade vital, transmitida pelo curso das artérias e por isso estudou
as pulsações para mostrar sua importância nos diagnósticos médicos -inventou
um relógio d' água muito acurado para medir o pulso.
Todavia, segundo alguns relatos de Celso e de Galeno, teria existido uma di­
ferença entre o racionalismo aristotélico e a posição de Herófilo, pois este teria
considerado as causas hipóteses plausíveis que jamais poderiam ser verificadas
porque" a natureza as esconde". Esses relatos deram origem à figura de um Heró­
filo cético, que argumentara sobre as causas à maneira dos pirrônicos, isto é,
propondo o pró e o contra, inferindo a impossibilidade de determinar uma causa
verdadeira, como vimos nos capítulos sobre o ceticismo e o pirronismo. Neste
caso, haveria um obstáculo metafisico e epistemológico que impediria o estabele­
cimento de uma etiologia. Ora, Herófilo propôs a teoria dos humores e das facul­
dades na elaboração da etiologia. Os intérpretes contemporâneos julgam não
haver incompatibilidade entre a exigência racionalista de determinação da causa
de um fenômeno e a admissão de que esta é, metafisicamente, uma hipótese pro­
vável apenas porque a experiência prolongada a confirma.
Deve-se a Erasítrato a fisiologia da tripoklía, ou a distinção entre três tipos de
vasos: nervos, artérias e veias, considerados por ele os elementos fundamentais


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