de todo tecido corporal. Afirmou que as artérias levavam ar enquanto as veias,
sangue - um equívoco que os historiadores da medicina explicarão indicando
que, com o termo "artéria", os médicos gregos também designavam a traqueia e
os brônquios e que, nos animais mortos, submetidos à dissecção, o sangue passa
das artérias para as veias. Recusou a teoria dos humores e elaborou a teoria da
plethora, com que explicava as febres a partir da congestão vascular causada pelo
influxo de alimento não digerido nas veias, comprimindo o sangue e o forçando a
penetrar nas artérias, causando a inflamação do ar nelas contido. Como se obser
va, empregou preferencialmente explicações mecânicas para o metabolismo e a
fisiologia, procurando evitar tanto quanto possível explicações finalistas.
Erasítrato celebrizou-se pela recusa da teoria médica tradicional das causas
antecedentes ou causas externas (excesso de calor, de frio, de umidade, de trabalho,
dos hábitos alimentares e sexuais) que disparam disposições à doença preexistentes
no paciente. A recusa dessas causas por Erasítrato fundava-se num argumento ra
cional, ou seja, não serem necessárias e sim aleatórias: nem sempre causam doenças,
às vezes, afetam a superficie externa do corpo, mas sem afetar suas disposições in
ternas. Uma causa deve ser causa sinética (aitía synéktika), no sentido proposto pelos
estoicos, isto é, uma causa que deve ser condição necessária e suficiente de um acon
tecimento -estando presente, o efeito aparece; estando ausente, o efeito desapare
ce; se fortalecendo, fortalece o efeito e enfraquecendo-o ao se enfraquecer. Donde
os dois princípios da medicina de Erasítrato: 1. nada pode ser causa se não estiver
produzindo o efeito presentemente; 2. nada pode ser causa se não produzir invaria
velmente o mesmo efeito. Visto que as chamadas causas antecedentes ou externas
não preenchem os dois critérios, não devem ser consideradas causas.
Ao racionalismo de Herófilo e Erasístrato opunham-se os chamados médi
cos empíricos, entre os quais se destacaram Filonos de Cós, Serapião de Alexan
dria e Menódoto. Para esses médicos, que consideravam a anatomia inútil, a arte
médica fundava-se exclusivamente na observação e na experiência (empeiría), re
cusando qualquer referência a disposições, funções, faculdades ou causas internas
inobserváveis. A diferença entre as duas correntes tinha em seu centro a concep
ção do signo indicativo ou do sintoma:2 os racionalistas o tomavam como condi
ção para uma inferência segura; os empíricos o julgavam uma indicação insufi
ciente para uma inferência, pois nunca se sabe de quê o signo é a indicação,
variando caso a caso, de circunstância para circunstância. Assim, enquanto os ra
cionalistas elaboravam teorias a partir das inferências, os empíricos colecionavam
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