Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
constituição das idealidades por uma multiplicidade de elementos, e é o funda­
mento da obra de Lucrécio, o De rerum natura. Além disso, o Arenário antecipa de
muitos séculos a teoria matemática dos Grandes Números.
Para entendermos o Equilíbrio dos planos, explica Serres, é preciso levar em
conta o modelo proposto pelo Arenário, mas também não esquecer que Arquimedes
é o teórico da queda e do impulso, do equihbrio e do desvio do equihbrio por incli­
nação, da formação de volumes estáveis e dos turbilhões espiralados, e da imersão
desse modelo nos líquidos. O mundo de Arquimedes é um mundo dinâmico de re­
voluções de esferas, cilindros e quádricas, isto é, essencialmente de espirais cujo
desempenho técnico (o parafuso) é vencer o peso para escoamento dos líquidos. A
espiral, denominada espiral de Arquimedes, recebeu dele uma definição cinemática


  • "um ponto que se move uniformemente sobre uma reta" -, portanto, uma geo­
    metria inseparável de uma mecânica, que permitirá uma demonstração fisico-geo­
    métrica da queda dos átomos, suas velocidades idênticas e o clínamen, o desvio que
    Epicuro afirmara por ser logicamente consistente. A espiral, que matematicamente
    coloca todos os pontos em conexão, fisicamente é o turbilhão, o movimento girató­
    rio dos átomos, que os reúne em um ponto. Podemos, então, compreender a estru­
    tura do Equilt'brio dos planos: parte da balança, mas sob a condição de que ela penda
    para um dos lados, de sorte que, no início da obra, Arquimedes indica que a igualda­
    de ou o equihbrio são apenas casos particulares de proporções ou de ângulos. A es­
    tática só pode surgir como ciência quando a investigação dá prioridade menor ao
    equihbrio e maior para todo fe nômeno de inclinação ou de desvio.
    Dessa maneira, pode-se perceber a extraordinária unidade do conjunto da
    obra arquimediana:


Mundo dos conoides, em geometria (cone, em latim, pode ser traduzido por turbo);
mundo hidráulico, onde pela primeira vez na história, as matemáticas modelaram
os líquidos; mundo em desvio do equilíbrio [ ... ]. Donde a coerência inesperada da
obra arquimediana. Para os procedimentos de retificações, quadraturas e curvatu­
ras, tratava-se também de enquadrar um estado no máximo e mínimo, por exemplo,
por polígonos inscritos e circunscritos. O gesto é invariante. Avalia -se o que se passa
à esquerda e à direita, e se o reduz ao meio. Os modernos se escandalizavam com o
fato de que a demonstração da quadratura do segmento parabólico utiliza uma ala­
vanca; mistura geometria e mecânica, diziam os modernos. Ao contrário, é de uma
sistematicidade superior e testemunha em favor da unidade do método e da coerên­
cia de um mundo (Serres, 2003, pp. 36-7).

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