Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
Toda palavra pronunciada com autoridade determina uma mudança no mundo,
cria alguma coisa; essa qualidade misteriosa é o que augeo exprime, o poder para
fazer nascer uma planta, o poder para dar nascimento a uma lei (Benvéniste, 1978,
p. 151).

Nesse sentido, a antiquitas, a antiguidade, é a autoridade: o passado funda­
dor responde pelo presente e o garante, vinculando-o ao ato da fundação. Esta,
realizada pelos pais fundadores ou os antepassados, os majores (nossos maiores)
ou o numen (a vontade e o consentimento dos deuses que orientaram os ante­
passados cujo espírito vela pelos descendentes), detém a legitimidade do pre­
sente porque é capaz de re-ligare, ligar o que é ao que fo i. O presente só tem valor
e sentido enquanto religio, religião, isto é, como ligação com o tremendo esfor­
ço do passado fu ndador para criar a lei e a urbs romana, a cidade romana. Essa
ideia preside todo o fu ncionamento do Direito Romano no qual nenhuma nova
lei pode ser apresentada e aprovada se não encontrar no passado um fundamen­
tum, um fundamento.
Ora, como observa Hannah Arendt, a marca peculiar da auctoritas é a de fa­
zer com que aquele que detém a autoridade não detenha o poder, potentia e po­
testas:
enquanto este último se baseia na fo rça para conseguir a coerção, a autori­
dade é moral, baseando-se no respeito, ou seja, como escreve o historiador
Mommsen, aquele que possui autoridade dá algo que é menos do que um manda­
mento e mais do que um simples conselho. Não é um mandamento porque não
usa a coerção, própria do poder ou da potentia-potestas; mas não é um simples
conselho, porque haverá risco se não fo r escutado ou obedecido. A ideologia ro­
mana afirma, então, que o senado possui a auctoritas dos patres ou dos majores,
enquanto o povo (inicialmente representado pelo rei, depois, pelos cônsules e
tribunos da plebe, e, finalmente, pelo imperador) possui o poder, a potestas.
Podemos, então, compreender que é isso que permite a conservação da ima­
gem republicana de Roma, mesmo quando a república concretamente desapare­
ceu. Em outras palavras, a ideologia consiste em afirmar que o poder dos ditado­
res e imperadores não afeta a autoridade do senado, devendo, pelo contrário,
submeter-se a ela se não quiser ser considerado ilegítimo, usurpador, desligado da
fundação.
Ainda outro elemento garante a manutenção da imagem republicana, mes­
mo quando Otávio é declarado augustus.


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