Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
Do verbo augeo deriva-se ainda outra palavra, augur, augúrio, significando
que os deuses produzem ou fa zem existir um acontecimento assombroso cuja
existência fo i assinalada por presságios. Augustus é aquele dotado de augur, isto é,
da capacidade para realizar um empreendimento divino pressagiado. O que fo i
pressagiado para Otávio, como narrará o poeta Virgílio, na Eneida? Que a ele esta­
va destinada a missão deixada pelo fundador, Eneias: a de conferir a Roma a eter­
nidade de sua fundação. Augusto, portanto, não teria sido o destruidor da repúbli­
ca, mas aquele que a levou ao apogeu, cumprindo uma lei divina. Eis porque
Augusto insistia em ser chamado princeps, o primeiro cidadão da república.

c) virtude e fortuna
Outro tema ideológico, diretamente articulado a este primeiro, é o trata­
mento dado ao par conceitual virtusfortuna, virtude e sorte.
Quando lemos a História da ascensão do Império Romano, um aspecto sempre
impressiona o leitor. Pohbio indaga como fo i possível, num período tão curto, a
instauração de um império tão vasto e poderoso. E responde atribuindo o fa to à
fo rtuna, sempre favorável aos romanos, sempre governando os astros para o bom
destino, o fatum, *10 de Roma. A cada episódio narrado, o historiador fa z intervir a
fo rtuna, mostrando que, sem seu favor, o desenlace teria sido terrível para Roma.
Embora Roma estivesse sob a proteção de Júpiter e Minerva, os romanos ti­
nham especial predileção pela deusa Fortuna, representada como uma mulher
vestida de branco, trazendo um cinto com os signos do zodíaco (controlava os
astros ou o destino, o fa tum, em favor de Roma) e, nas mãos, uma cornucópia re­
pleta de bens doados aos romanos. Era cultuada por eles sob sete fo rmas: proteto­
ra das colheitas, das parturientes, das donzelas, dos mancebos, dos guerreiros, do
solo de Roma e dos governantes.
Todavia, os escritores romanos, sobretudo depois do contato com o es­
toicismo,lI julgavam pouco elogiosa a imagem de Roma como filha da Fortuna e
buscaram uma outra resposta para a pergunta de Pohbio, encontrando-a na virtus,
isto é, nas virtudes republicanas ou na romanitas.
Essa ideia, amplamente desenvolvida pelo historiador Tácito e pelo filósofo­
-orador Cícero, enfatiza as peculiaridades do povo romano (isto é, dos pais fu nda­
dores e dos patrícios) como um povo de costumes simples e frugais, acostumado
à rigidez das intempéries, corajoso, justo e incorruptível. Essas qualidades morais
da romanitas, por serem atribuídas exclusivamente ao patriciado, jamais à plebe,


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