- Cícero: a fi losofia fa la latim
Ao se referir ao mundo romano como aquele que em nada contribuiu para a
filosofia, oferecendo apenas advogados e oradores, é provável que Hegel tivesse
em mente uma figura como a de Cícero, que fo i as duas coisas. Talvez seja este o
motivo pelo qual seu nome não figure na maioria das histórias da filosofia e, quan
do ali aparece, o historiador sempre busca uma justificativa para a referência a um
pensador eclético e pouco original, cuja contribuição não vai muito além dos
tratados de eloquência.
No entanto, Cícero fo i um filósofo que deixou marcas profundas no pensa
mento político ocidental, pois, se comparado, por exemplo, a Sêneca -preceptor,
conselheiro, ministro de Nero - e a Marco Aurélio -imperador -, fo i o único
que refletiu filosoficamente sobre a política republicana, escrevendo Sobre a repú
blica e Sobre as leis. A maneira como, em Dos deveres, concebeu a articulação entre
a ética e a política por intermédio do conceito e da prática da virtude irá desaguar
na construção da figura do Bom Governo quando, destruída a república, os filóso
fo s romanos deixarão de colocar nas leis a origem das qualidades do regime polí
tico para fixá-la na pessoa do príncipe virtuoso. Também na ética sua contribuição
não fo i pequena: o modo como, nas Tusculanas, concebeu a paixão como doença
da alma configurou um campo de pensamento que será desfeito (e apenas parcial
mente) somente na modernidade.
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