demonstração filosófica é dialética e, como explica Cícero nas Tusculanas, exige
que cada um dos termos investigados seja tratado com argumentos específicos
para que, no final, se possa provar sua discordância, concordância ou mesmo
identidade. Assim, enquanto o Livro I ocupou-se com o honesto, o Livro 11 dedi
ca-se ao útil. Entramos, aqui, no difícil problema deixado pelos estoicos acerca
dos indiferentes e dos preferíveis ou convenientes -como fo i tratado no capí
tulo 3 - e, portanto, acerca da possibilidade de falar de bens, no plural, apesar
de o verdadeiro bem só poder ser concebido, proferido e praticado no singular.
Cícero mantém a ideia da unidade do bem supremo, isto é, a unidade da virtude
e do bem ou a sabedoria, excelência máxima, firmeza inquebrantável da alma e
sua fe licidade. Mas, como Panécio (que distinguira entre a ética média dos bens
e a ética perfeita do bem), Cícero também admite a pluralidade dos preferíveis
ou convenientes como bens que não contradizem o bem e podem auxiliar em
sua busca.
Por isso, a questão a ser discutida no Livro 11 do De officiis é a da conveniência
ou concordância entre o honesto e o útil, uma vez que a experiência mostra que
os homens nem sempre os identificam e, pelo contrário, agem de tal maneira que
seríamos levados a supor que ambos são incompatíveis, fazendo muitos filósofos
afirmar que a utilidade se opõe à moralidade. Por conseguinte, para que se estabe
leça a conveniência ou concordância entre o útil e o honesto é preciso, por um
lado, determinar o que é efetivamente útil à conservação de si e dos outros, e, por
outro, demonstrar que o desonesto não pode ser útil.
Útil é o que auxilia a autoconservação e a conservação dos laços com os ou
tros homens. Por isso, o útil é conforme à natureza, aos deuses e ao homem. À
natureza, porque esta oferece os bens necessários à conservação de si; aos deuses,
porque não descuram de proteger a natureza e particularmente os humanos; ao
homem, porque a reta razão lhe ensina tanto as artes, com que se apropria dos
bens da natureza, necessários à autoconservação, quanto a vida em comum e o
socorro que cada um presta aos outros ou a humanitas. A natureza e os deuses,
que se manifestam em nós por meio da reta razão, indicam que é esta última a
medida e a regra para a definição do útil material e moral.
Uma única regra deve impor-se a todos: que a utilidade de cada um seja idêntica à de
todos, caso contrário, se desfaz a sociedade humana. [ ... ] Estamos todos sob a mes
ma lei da natureza e, assim sendo, estamos proibidos pela mesma lei da natureza de(^239)