Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

remédio e a cura: conhecer a verdadeira natureza do bem e do mal e praticar a
virtude.
A aflição e a angústia são inseparáveis do sentimento do tempo que tudo
devora e das perdas que ele traz. Nada dura, tudo muda e se dissolve. Velhice e
luto são inexoráveis. O tempo é a contingência nua, o campo onde a fo rtuna sopra
a ventania inesperada -desterro e exílio, calamidades que se abatem sobre os
homens públicos; derrotas militares que destroem a pátria e escravizam homens
livres; pobreza. Essas dores não podem ser ignoradas pela illosofia, cuja tarefa é
compreendê-las para impedir que nos abandonemos ao sofrimento, dobrados
pelos caprichos da fo rtuna. A medicina da alma possui um remédio para tão terrí­
vel doença: a consolação.
A consolação, diz Cícero, é um método, um caminho seguro para a cura.
Realiza-se como mudança gradativa da opinião sobre o bom e o mau, o pressu­
posto da gradação sendo o de que cada grau fo rtalece a alma para suportar o re­
médio seguinte. O primeiro remédio é ensinar que o acontecimento não é um
mal em si mesmo ou que é um mal menor; vem a seguir o ensinamento de que o
que se passa com cada um se passa com todos porque é esta a condição humana;
finalmente, o remédio mais fo rte: a adesão ao sofrimento é uma decisão voluntá­
ria contrária à natureza (que nos deu o instinto de autoconservação), portanto, é
preciso mudar a vontade, pois é suma estultice consumir-se na tristeza porque
desta nada de bom se pode esperar.4


Assim como os médicos, com um tratamento geral para o corpo, não deixam de
curar os menores órgãos, assim também a filosofia, suprimindo a causa universal
da aegritudo, também suprime os erros cuja aparição depende de alguma causa
particular - a mordida da pobreza, a picada da ignorância, a treva do exílio e, de
modo geral, todos os acidentes. Para cada um deles há um método de consola­
ção, mas é sempre preciso chegar ao princípio segundo o qual a aegritudo, em to­
das as suas fo rmas, não atinge o sábio porque ela é sem fundamento, porque
abandonar-se a ela é pura perda de tempo, porque não procede da natureza, mas
do juízo e da opinião, uma espécie de convite à dor, quando decidimos que seria
conveniente fazê-lo. Esse elemento voluntário eliminado, a terrível aegritudo é
suprimida, subsistindo apenas uma mordida ou uma leve contração do ânimo
(Tusculanas, 11, 82-3).

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