Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

exige que cada termo seja objeto de argumentos que lhe são próprios, portanto,
na presente discussão é necessário saber o que são a fo rtuna, a natureza e a virtude
para que a prova sej a estabelecida. Em suma, o percurso de Sobre os deveres não
pode servir de fu ndamento para a prova derradeira das Tusculanas.
A fo rtuna é senhora (domina) das coisas exteriores e das que concernem ao
corpo. Por conseguinte, somente se a virtude estiver na dependência dessas coi­
sas, estará submetida à fo rtuna e não será o bastante para a fe licidade, sej a porque
essas coisas são males, seja porque são bens incertos. Ora, a fo rtuna é a opinião da
multidão sobre o bom e o mau, dela estando ausente, portanto, o conhecimento
da natureza das coisas, de sua urdidura causal e de suas concordâncias e discor­
dâncias, conhecimento que é o primeiro elemento constituinte da virtude e do
qual segue a aptidão para julgar e avaliar os acontecimentos na vida privada e na
pública. A virtude não é, portanto, serva da fo rtuna.
A natureza está sempre conforme a si mesma e é a mesma em todos. A varie­
dade nasce dos costumes e este, da opinião. O que a um povo aparece como um
mal intolerável pode ser consagrado como coisa divina por outro. O costume
pode corromper a natureza, mas não pode mudá-la. Vimos que ela nos gera com
sementes de virtudes e nos dá a luz natural, a razão. Podemos esquecê-la na de­
mentia e na stultitia e mesmo perdê-la na amentia e no furor, mas não podemos
transformá-la em irrazão. Podemos cair no abismo da aegrotatio ou na perversão
da cupiditas, mas não podemos fa zer com que sejam sanitas, pois são insania. A
razão permanece intacta e inviolável, embora os costumes possam dela nos afas­
tar. Ora, a virtude é agir conforme a natureza, portanto, conforme a reta razão, e
isto depende exclusivamente de nós. Mas não só isso. A natureza quis que cada
coisa fo sse perfeita em seu gênero, e peifectus/ como a própria palavra diz, é o que
está completo e terminado, aquilo a que nada fa lta. Feliz é aquele a quem nada
fa lta e sua perfeição decorre daquilo que nele é perfeito, completo, ótimo, e, no
homem, a parte ótima e perfeita é a razão. A virtude, vida conforme à razão, é
plenitude à qual nada fa lta. Ela é a própria fe licidade, pois "a vida fe liz é a fruição
perpétua e plena do que é honesto, belo e preclaro" como a própria razão.


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