Lucrécio: a vida e a obra
Tito Lucrécio Caro nasceu em Roma por volta de 98 a. C. e morreu nos anos
50 do século I a.C. Pertencia a uma fa mília de antigos patrícios, da ordem eques
tre, mas não ocupou cargos políticos nem honoríficos. Sabe-se muito pouco de
sua vida e, como disse um intérprete, ele teria levado rigorosamente a sério a
máxima de Epicuro: "esconde tua vida". Em tomo dele reina o mistério: viveu em
Roma? Te ria ido à Grécia e escutado Zenão? Teve contato com Filodemo? Foi um
joguete das paixões e teria se suicidado na flor da idade? Quando compôs seu poe
ma? Deixou-o incompleto? Foi editado e publicado por seu amigo Cícero? Quem
é exatamente Mênio, a quem a obra é dedicada?
Vimos, ao estudar o epicurismo, o combate dos cristãos a Epicuro e sua esco
la. Assim como Te rtuliano, um dos primeiros Padres da Igreja, inventou a história
de que o materialista Demócrito teria furado os próprios olhos por não suportar
o desejo sexual despertado pela visão de jovens mulheres, assim também são Jerô
nimo inventou que Lucrécio teria bebido um filtro de amor, enlouquecido e escri
to seu poema nos intervalos de lucidez, terminando por se suicidar. O mínimo
que um leitor atento do Sobre a natureza das coisas pode afirmar é que essa obra
jamais poderia ter sido escrita em "intervalos de lucidez"!
Com efeito, sobre esse poema filosófico, Cícero escreveu a seu irmão Quinto
que 'brilha com as mil luzes do gênio e de muitas artes" , e Ovídio exclamou: "os
versos do sublime Lucrécio perecerão no dia em que o universo acabar!".
Lucrécio viveu num dos períodos mais conturbados da história de Roma. Du
rante sua juventude testemunhou os massacres que se seguiram às lutas de Mário e
Sila e o desencadeamento de tumultos provocados pelas ambições políticas das fa
mílias patrícias. Por isso, nas linhas iniciais do Canto I, o poeta invoca Vênus contra
Marte, a plácida paz contra a violência da guerra, para o bem dos romanos e do
próprio poeta, "pois", exclama ele, "eu não poderia, numa época de tempos iníquos
para a pátria, dedicar-me à minha obra com ânimo sereno nem buscar o bem co
mum". Também não podemos esquecer que as facções patrícias eram auxiliadas
pelos dirigentes dos templos romanos e seus adivinhos (vates), que, sob a alegação
de vaticínios inspirados pelas divindades, converteram os deuses em instrumento
de manipulação dos cidadãos, disseminando ignorância e medo. Essas circunstân
cias iluminam o sentido do De rerum natura, escrito com a intenção explícita de liber
tar os homens das paixões nascidas da ignorância e do medo com relação à natureza,
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