Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

à morte e aos deuses. Como lemos no prólogo do Canto I, "a superstição pariu im­
piedades criminosas" e "a religião aconselhou crimes hediondos", como o de Aga­
menon, que, açulado pelos sacerdotes, sacrificou a própria filha, lfigênia. Por isso
"se os homens vissem um término seguro para suas misérias, teriam um meio para
resistir à superstição e às ameaças dos adivinhos". É para dar ao gênero humano
esse término seguro que Lucrédo escreve sua obra.
Para muitos intérpretes, não se pode considerar o poema como inacabado,
pois, ao chegar aos versos 90-5 do último Canto, Lucrédo afirma que chegou ao
fim de sua obra:


Eis tudo o que os homens, que ignoram as causas, atribuem à vontade dos deuses.
Mas tu, Calíope, engenhosa musa, repouso dos homens e prazer dos deuses, guia­
-me, a mim que corro rumo à última meta do caminho, a fim de que, conduzido por
ti, possa conseguir uma coroa de nobre glória (Da natureza, VI, 90-5).

Da natureza das coisas (mais conheddo como Da natureza) é composto de seis
livros ou seis cantos e sete mil e quatrocentos versos. Os Livros I e 11 (ou Cantos I e 11)
são dedicados à exposição da fisica atomística; o III à da alma e da morte; o N, à teoria
do conhedmento; o V, à gênese e transformação do mundo; e o VI, às catástrofes
metereológicas e terrestres. Os dois primeiros e os dois últimos dedicam-se a afastar
o medo da natureza; o terceiro, o da morte; e o quarto explica como e por que sur­
gem as ilusões sobre a natureza e sobre os deuses, propídas a provocar medo. Cos­
mologia, fisica, astronomia, geografia, geologia, metereologia, psicologia, gnosio­
logia, história, filologia, ética, teologia: eis um gigantesco saber posto a serviço da
liberdade humana, numa obra considerada literariamente excepdonal e cuja elabo­
ração foi, sem dúvida, dificil, pois, como escreve Lucrédo no inído do Canto I:


Meu ânimo não dissimula quão árduo é explicar as obscuras descobertas dos gregos
com versos latinos, sobretudo porque muitas devem ser tratadas com palavras novas
pela pobreza da língua [latina] e a novidade das ideias (Da natureza, I, 135).

Por que escrever o poema? Porque

Se o terror acorrenta todos os mortais, é porque sobre a terra e no céu aparecem
muitas coisas de cujos efeitos não conseguem ver as causas e as atribuem à vontade

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