crer que nossa terra e o orbe de nosso firmamento foram os únicos criados e que para
além dele haja apenas a inatividade dos átomos? Este mundo é obra da natureza, por si
mesmos, espontaneamente, pelo simples acaso dos encontros, os átomos, após mil
movimentos desordenados e tantas conjunções inúteis, conseguiram, enfim, fo rmar
uniões que, tão logo realizadas, engendram maravilhas - a terra, o mar, o céu e as
espécies vivas. É preciso, portanto, convir, repito, que alhures se formaram outros
agregados de matéria semelhantes aos do nosso mundo (Da natureza, 11, 1055).E um pouco mais adiante:Se as sementes são tão copiosas que a vida inteira de um vivente não bastaria para
contá-las e se persiste em toda parte a mesma força e natureza que podem conjugar
as sementes das coisas da mesma maneira que as conjugam aqui, é necessário reco
nhecer que existem alhures no vazio outras terras e outros céus, outras raças de
homens e outras espécies animais (Da natureza, 11, 1075).o Canto se conclui com uma peroração que prepara o preâmbulo do Canto
IlI, quando será fe ito o elogio daquele que libertou os homens da ignorância e do
medo, Epicuro.Que estas verdades se gravem profundamente em ti e de imediato a natureza te
aparecerá livre, libertada de senhores soberbos, operando espontaneamente todas
as coisas, sem os deuses (Da natureza, 11, 1090).Está, pois, cumprido o primeiro objetivo do Da natureza: desenraizar e dis
solver o medo dos deuses afirmando a autonomia espontânea da natureza, a
simplicidade de seus princípios e seu modo de operação. Compreende-se, então,
porque, diferentemente do Canto I, que invoca Vênus, desde o Canto 11 até o VI,
nenhuma invocação será dirigida aos deuses; e, a partir do Canto IlI, Lucrécio in
vocará Epicuro.
Tendo cumprido a primeira parte da tarefa filosófica, resta, agora, enfrentar
o segundo pavor, isto é, o medo da morte. Será este o objeto dos Cantos III e IV.
Quanto ao último terror, o medo à natureza, Lucrécio o tratará nos dois últimos
cantos do poema.