Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

Animus / anima


o preâmbulo do Canto III se inicia com o elogio de Epicuro, cujas pegadas


(vestigia pedis) o poeta seguirá. Se, no preâmbulo do Canto I, Lucrécio contrapu­
nha a guerra nascida da ignorância e da superstição à plácida paz do verdadeiro
conhecimento e, no do Canto 11, a turbulência do mar tempestuoso das ambições
à tranquilidade dos altos lugares onde habita a sabedoria, agora, contrapõe às
trevas da ignorância a luminosidade da razão.

Tu , que do fundo das trevas espessas, fo ste o primeiro que soubeste fazer brilhar
uma luz tão esplêndida e nos iluminar sobre os verdadeiros bens da vida, sigo teus
passos, ó glória da gente grega, e hoje ponho o pé sobre a pegada deixada por ti, não
para rivalizar contigo, mas, cheio de amor, para imitar-te [ ... ]. Tu, pai, descobriste a
verdade e nos prodigalizaste preceitos paternais [ ... ] ó mestre glorioso [ ... ] nós nos
alimentamos de tua áurea palavra, a mais digna de duração perpétua. Tão logo tua
razão começa a vociferar sobre a natureza das coisas, nascida em tua divina mente,
de imediato se dissipam os terrores do ânimo, abrem-se as muralhas do mundo e
vej o as coisas serem geradas no vazio infinito.

a) Da natureza do ânimo e da alma
Antes de determinar a verdadeira natureza da alma, Lucrécio critica as con­
cepções espiritualistas ou imateriais - como a platônica e a dos que afirmam que
a alma é a harmonia dos opostos que constituem o corpo -, bem como as gros­
seira e ingenuamente materialistas -como a que concebe a alma fo rmada de
sangue ou de vento. Os imaterialistas afirmam que a alma é uma entidade simples
e justamente por isso não pode perecer, pois a morte é dissolução dos compostos.
Em vista da afirmação da imortalidade da alma, os adeptos dessa ideia passam a
vida presente se preparando para a vida fu tura, e como a imortalidade atesta a
superioridade da alma com relação ao corpo mortal, julgam que este, sede de
instintos e apetites baixos, é nocivo à perfeição dela e à fe licidade na vida após a
morte, vivendo aterrorizados com a possibilidade de merecer sofrimento eterno.
Os ingenuamente materialistas admitem que a alma é mortal, porém, diz Lucré­
cio, essa admissão só se mantém em tempos de prosperidade e boa fo rtuna, pois
basta que o infortúnio os atinja para que busquem consolo na religião, dirijam
preces aos mortos e fa çam sacrificios aos deuses. Em outras palavras, não temem

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