Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1
o que se diz da visão deve-se dizer dos demais sentidos. Tomemos, por
exemplo, na audição, o fe nômeno do eco ou a maneira como "nos lugares deser­
tos as pedras nos reenviam a fo rma das palavras com exatidão", quando "as pró­
prias colinas transmitem umas às outras os sons" emitidos por um homem ou por
um animal. Embora tenhamos efetivamente a sensação auditiva dos sons repeti­
dos por pedras e colinas - os ouvidos não nos enganam -, os que habitam nas
redondezas desses lugares acreditam que neles vivem sátiros, ninfas e fa unos e
que o som escutado é "seu estrépito notívago" e que" seus jogos joviais vêm que­
brar o taciturno silêncio". Contam muitos portentos desse gênero "para que não
se julgue que fo ram abandonados pelos deuses", ficando solitários nesses ermos
lugares. O engano ou a ilusão ocorrem, portanto, na passagem dos sons realmen­
te escutados à afirmação de que são cantos e danças divinos.
Poderia parecer que Lucrécio estaria propondo uma ruptura entre sensação
e pensamento. Não é o caso, pois isto implicaria separar animus e anima. Pelo
contrário, as ideias se fo rmam exatamente como as sensações.

Como aquilo que vemos com a mente e com os olhos é igual, é preciso aceitar que
surge do mesmo modo. Ora, demonstrei que me é possível ver um leão pelos simu­
lacros que afetam meus olhos; deve ser pelo mesmo motivo que a mente é af etada: é
pelos simulacros que ela vê o leão e todas as outras coisas, exatamente como os
olhos; e até imagens muito mais sutis (Da natureza, IV, 750).

Provocando os "movimentos sensíferos" da anima (a sensação), os simula­
cros são por ela levados ao animus que tem, assim, uma visão direta das coisas.
Uma ideia é uma visão mental. Mas Lucrécio acrescenta: a mente vê também si­
mulacros mais sutis. E nisto está a possibilidade do erro e da ilusão.

b) Erro e ilusão
Numa atitude decididamente antiplatônica, Lucrécio considera que quanto
mais distante da sensação, maior a possibilidade de enganar-se e iludir-se porque
os simulacros se tornam mais velozes, menos nítidos, mais mesclados, exigindo
intensa atenção da mente para percebê-los e não confundi-los. Numa palavra, a
mente imagina, isto é, fo rma por si mesma novos simulacros, a partir dos vestígios
da vigília. Três são os principais exemplos oferecidos por Lucrécio: o sonho, a
crença em causas finais e a paixão do amor.


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