a si mesmo. Entretanto, sabe-se o que acontece na vida pública: um louco comba
te de ambições, calúnias, desonra. Nela, ninguém está seguro. Donde o segundo
remédio: recolher-se à vida privada e realizar em segredo grandes ações para o
bem da república. Não há porque negar que o filósofo realize obra da maior im
portância, pois ensina o que é a justiça, o dever, a paciência, a coragem diante da
morte, o conhecimento dos deuses. Não basta, portanto, regressar à vida privada,
mas é preciso tornar-se filósofo para livrar-se de todos os desgostos e ter verdadei
ros amigos, pois a virtude jamais é ignorada pelos que dela são dignos.
Exposto o receituário estoico tradicional, Sêneca o critica. Isolar-se é afastar
-se do gênero humano, concentrar-se em si mesmo, indiferente aos outros; é
mergulhar na desocupação, construir de um lado e demolir de outro. Atenodoro
recua rápido demais diante das circunstâncias. Certamente, há casos em que é
preciso recuar, mas deve-se fazê-lo como na guerra, aos poucos, salvando a ban
deira e a honra, pois o inimigo nos respeita quando nos rendemos portando as
armas. Segundo Sêneca, eis o que deve fa zer o aspirante à virtude:Se a fortuna triunfa e lhe tira os meios de agir, que ele não se apresse em dar as costas
e fugir, largando as armas e buscando um abrigo, como se houvesse algum lugar no
mundo onde pudesse escapar da fortuna, mas que ele imponha somente maior re
serva à sua atividade e procure alguma ocupação que lhe permita voltar a ser útil à
cidade (Da tranquilidade da alma, IV, 1).A carreira militar lhe está proibida? Que ele resista com seus brados: vá às
magistraturas e advogue. O silêncio lhe é imposto? Apertam-lhe a garganta? Re
sista e auxilie seus concidadãos por meio do seu silêncio e do apoio de sua presen
ça: assim como há remédios salutares que não é preciso ingerir porque operam
pelo aroma, assim também a virtude, cuja influência benfazeja pode agir a distân
cia, bastando que seja visível- a virtude, diz todo estoicismo, é corporal, mesmo
que sutil como um aroma. Ir à praça pública é perigoso? Que em casa, nos ban
quetes e espetáculos mostre ser companheiro honesto, amigo fiel, conviva mode
rado. Em suma, se não pode cumprir os deveres de cidadão, restam-lhe os deveres
de homem. Jamais estão fe chados todos os caminhos de maneira que não nos seja
possível praticar a virtude. Assim, o primeiro remédio é a humanitas, o aprender a
amar-se nos outros, a oikeiósis.