nobreza, aquele o de sua obscuridade; um curva a cabeça sob a tirania de outro,
outro sob a própria tirania; a este, a permanência num lugar é imposta pelo exílio,
àquele outro, pelo sacerdócio. Toda vida é uma escravidão.A universalidade da fortuna é a universalidade da escravidão, pois escravo é
aquele que age para realizar a vontade de um outro e não a sua própria. Se nin
guém escapa da fortuna, visto que a contingência perpassa o mundo humano,
como conviver com ela para que seu fardo não nos destrua? Aumentando a potên
cia de dois dons que recebemos da natureza e que dependem de nós: o hábito, que
ela nos deu para que nos familiarizemos sem revolta com os mais rudes tormen
tos; e a razão, parcela do divino em nós, que nos dá poder para vencer obstáculos.
Veremos, então, "abrandar-se o que resistia, alargar-se o que era apertado e os
fardos tornarem-se mais leves sobre ombros que saberão suportá-los". Ao capri
cho da fo rtuna se opõe a benevolência da natureza.
Esses dons naturais são o instrumento de que dispomos para concretizar as
duas máximas que mencionamos acima, e que serão tanto mais efetivas quanto
mais soubermos limitar nossos desejos, uma vez que não podemos extirpá-los.
Encontramos, aqui, a origem da recusa de Sêneca da crença da posse da sabedoria
perfeita. De fato, a tradição estoica afirma, como condição da virtude, a necessi
dade de extirpar o desejo, opondo-se à tradição aristotélica da moderação. É esta
que Sêneca propõe, de maneira que nunca alcançaremos a plena impassibilidade,
a total apatheia ou ausência de paixão. Renunciar ao impossível, apegar-se ao que
estando mais próximo de nós "anima nossa esperança", e jamais esquecer que
todas as coisas são vãs e fúteis - eis o que a razão nos ensina. Sobretudo, não as
piremos ao cimo, não invejemos os que estão no alto, pois é ali mesmo que a for
tuna se esmera na perfidia: os que ela eleva hoje serão por ela rebaixados amanhã.
É verdade que alguns não podem fugir do cimo onde foram colocados e de onde
não podem descer senão pela queda; a estes é preciso ensinar a fo rça da virtude
para que aprendam a suportar os perigos da fortuna inconstante.
Onde a riqueza, que a miséria, a fo me e a mendicidade não podem alcançar? Onde a
magistratura, cuja pretexta, o bastão augural e o calçado patrício não são acompa
nhados de acusações humilhantes, da crítica do censor, de mil infàmias e do supremo
desprezo da multidão? Onde a onipotência que não é ameaçada de destruição e pelo
esmagamento da violência de um senhor ou de um carrasco? E um longo intervalo306