como agora podemos constatar, exatamente a imagem que Hegel possui da "lu
minosa Grécia" na qual o indivíduo só existiria porque se sentiria plena e feliz
mente identificado com o Estado do qual sua existência receberia todo sentido.
E a "Oração fúnebre" é uma ideologia de um tipo particular, ou seja, aristocráti
ca, porque, na falta de uma teoria democrática da democracia, o epitáphios lógos,
pronunciado a partir de ideais aristocráticos, preenche a lacuna teórica democrá
tica com representações e valores da aristocracia.
Ora, é nessa perspectiva, exceção feita a alguns dos sofistas efetivamente
plebeus e democratas - e, não por acaso, desprezados e temidos pelos aristocra
tas atenienses -, que os filósofos clássicos da Grécia falam da pólis, à qual ende
reçam tantas críticas e para a qual propõem tantas reformas. Em outras palavras,
a filosofia clássica é o pensamento aristocrático que se exprime no interior de
uma democracia sobre a qual pouco sabemos porque os democratas nada deixa
ram escrito sobre ela.
Podemos, então, indagar se a visão que os historiadores da filosofia nos
oferecem do Helenismo como consequência da desaparição da pólis democráti
ca sob o poderio imperial de Alexandre e de Roma e sob a influência oriental
pode ser mantida, uma vez que, por pólis democrática, os historiadores enten
dem a Atenas aristocraticamente interpretada por Péricles. Não só isso. Mesmo
que Alexandre tenha sido péssimo aluno de Aristóteles, este foi seu mestre e a
ele deve-se a recomendação ao jovem rei de que a Grécia, minada pelas lutas
internas, pereceria sem a unificação monárquica, mesmo porque, para o filóso
fo, a monarquia sempre foi considerada a melhor forma da política e a demo
cracia, uma corrupção da politeia. O mestre de Aristóteles, o Platão das Leis,
retoma, na velhice, o antigo sonho da juventude que o fizera, por três vezes,
viajar a Siracusa: a construção da figura do governante perfeito, isto é, o filósofo
-rei. Em outras palavras, do ponto de vista da tradição filosófica clássica, aristocrá
tica e de gostos monárquicos, a desaparição da pólis democrática teria sido vista
como benéfica e não como" ocaso" ou "declínio". Em contrapartida, o que teria
sido considerado terrível e insuportável seria a perda da,independência política
para os 'bárbaros".
Os historiadores da filosofia tendem, assim, a confundir tradição filosófica
aristocrática e democracia, amor à independência política e horror à tirania
"bárbara" para, com essa mescla, compor a fisionomia do Helenismo como
"declínio".
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