Não nos esqueçamos, também, de três aspectos significativos quanto à atitu
de dos filósofos clássicos diante da pólis democrática: quando Platão, na República,
narra o Mito da Caverna, afirma que aqueles que chegaram ao ponto mais alto da
contemplação intelectual das Ideias não desejam retornar à caverna, isto é, ao
mundo comum dos homens, e que será preciso forçá-los a isto; ainda na República,
ao expor o projeto da cidade perfeita, Platão afirma que os governantes, isto é, os
filósofos, deverão ocupar o posto governamental por um pequeno período e se
rem substituídos por outros para que não sejam privados da fe licidade perfeita, a
contemplação do Bem; finalmente, Aristóteles, tanto na Metafísica quanto na Ética
a Nicômaco, após colocar as virtudes intelectuais acima das virtudes morais, afir
ma que a vida plenamente sábia e fe liz não pode realizar-se na política, mas longe
das tensões e conflitos do Estado, na pura contemplação da verdade. Em outras
palavras, vem da filosofia clássica a ideia de que a finalidade suprema da ética é o
homem como membro de uma comunidade moral e espiritual mais ampla e mais
alta do que a pólis, e a ideia da necessidade puramente teorética do conhecimento
do mundo como caminho da fel icidade. Sabedoria moral e conhecimento intelec
tual sempre formaram o par definidor do ideal do sábio.
As sim sendo, a sabedoria como theoría ou contemplação espiritual da ver
dade e a figura do filósofo como especulativo, isolado dos tumultos do mundo e
das lutas políticas, não são, enquanto ideais, uma novidade decorrente da miséria
espiritual causada pelo poderio imperial de Alexandre e dos césares romanos.
Nesta perspectiva, podemos até mesmo pensar que, enquanto os filósofos clássi
cos elaboravam uma concepção aristocrática da fe licidade do sábio, mas, ao
mesmo tempo, eram solicitados pelas ex igências da pólis democrática, forçados a
escrever sobre ela, a propor reformas nos costumes e nas leis, a participar das
atividades criadas pela condição da cidadania, os filósofos do período helenístico,
já não sendo cidadãos, ver-se-ão desobrigados da política porque, de fa to e de
direito, foram excluídos dela e poderão, com maior liberdade e largueza, desen
volver o antigo ideal do sábio não mais como ideal, mas como pr ática concreta,
possível e necessária. Para o sábio, portanto, não estaríamos numa época de
"ocaso" e "declínio", mas, pelo contrário, de concretização de um antigo e alme
jado ideal de vida fe liz.
Não se tr ata, porém, de substituir uma ideologia por outra - a da decadên
cia pela do progresso. Tr ata-se, apenas, de pr ocurar compreender o período he
lenístico sem essa dupla refer ência, negativa ou positiva.
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