Introdução à História da Filosofia 2 Marilena Chauí

(Zelinux#) #1

de MeIos, em breve dominareis nossa cidade. Como, então, pretendeis que con­
sintamos em nossa escravidão para vosso bem? Vossa hostilidade, replicam os
de Atenas, nos é menos danosa do que vossa amizade, porquanto esta pareceria
aos demais prova de nossa fraqueza, enquanto vosso ódio pareceria sinal de
nossa potência. É para vosso bem que deveis deliberar sobre os conselhos de
paz que vos damos quando poderíamos ter usado das armas. Falais como se a
guerra ainda estivesse por vir, retrucam os de MeIos, quando já está presente.
Dizeis que nosso bem vos preocupa quando a nós preocupam nossos direitos.
Julgais poder propor aliança às cidades que não tomaram partido nesta guerra
infeliz, mas como não se farão vossas inimigas ao saberem o que fazeis conosco?
Vossa política não é desastrosa apenas para nós; ela será vossa ruína futura. O
acordo não é firmado. Atenas cumpre a promessa: faz o cerco de Melos. Escara­
muças sucessivas, dos melianos rompendo o cerco e do atenienses a refazê-lo,
terminam quando "uma traição do interior" leva à rendição de Melos. Um tra­
tado de paz é firmado. Atenas mata todos os homens adultos, escraviza as mu­
lheres, crianças e velhos e devasta a cidade, como haviam previsto os magistra­
dos melianos.
A arte de Tucídides, nesse livro dedicado a um tempo de indecisão, hipocri­
sia e traição, desnuda a hybris de Atenas e expõe a verdade do imperialismo ate­
niense, colocando na boca dos embaixadores falas de discursos de Péricles e Alci­
bíades e narrando a proibição feita aos magistrados de Melos de falar ao seu
povo para impedi-lo de deixar-se seduzir pelo discurso ateniense. Arte suprema
do historiador que prognostica o fim de Atenas no trágico fim de Melos, bem
antes, portanto, do poderio de Filipe e Alexandre da Macedônia. E, como escre­
veu um historiador da filosofia, "a guerra do Peloponeso, cem anos antes, causou
muito mais sofrimento e dano à Grécia do que Alexandre e seus sucessores".
Assim, para nos acercarmos do Helenismo não basta enfatizar a diferença
temporal entre a filosofia grega clássica e a helenística. É preciso também não
esquecer continuidades subterrâneas, como a que observamos no caso do ideal
do sábio e da vida feliz.
Os historiadores da filosofia costumam apontar o peso das religiões orien­
tais sobre as novas filosofias, seja na forma da rejeição da religiosidade, levando
ao materialismo ateu dos epicuristas e ao agnosticismo dos céticos, seja na forma
da adesão ao espírito religioso, levando ao misticismo neoplatônico e ao provi­
dencialismo divinatório dos estoicos. Ora, a corrente materialista não é nova e


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