perda da liberdade política e, de algum modo, concluindo o longo percurso ini
ciado com a Guerra do Peloponeso.
No caso de Atenas, que no início da Guerra do Peloponeso fora chamada por
Péricles de "escola de toda a Hélade", no final, derrotada, via-se tal como fora
descrita por Tucídides, quando este narrara a praga que devastara a cidade nos
primeiros anos da guerra: com exceção de uns poucos que se preocupavam com
os doentes, todo o restante, "sem medo dos deuses e sem respeito pelos huma
nos", abandonou toda religião e toda moral, vendo, todos os dias, os prósperos
que, repentinamente, tudo perdiam, os bens, a família e a vida. Descrevendo a
peste, Tucídides já descrevia a cidade derrotada, antes mesmo do fim da guerra.
Embora, após a Guerra do Peloponeso, Atenas recuperasse muito de sua
antiga prosperidade e continuasse centro intelectual da Grécia, a vida cívica de
sapareceu em proveito da vida privada. Isso transparece, como já observamos,
nas tragédias de Eurípedes, nas quais o indivíduo conta mais do que a cidade,
assim como na chamada nova comédia, criada por Menandro, cujo enredo é sem
pre doméstico, em contraposição à antiga, voltada para o espaço público: os in
cidentes não se referem aos negócios da cidade, mas à vida familiar. Essas mu
danças na tragédia e na comédia acentuam-se na poesia quando a lírica, voltada
para as emoções individuais, suplanta os outros gêneros, voltados para o espaço
cívico. Tanto na literatura - tragédia, comédia e poesia - quanto na escultura
o interesse maior do artista não é tanto, como outrora, movido pelo éthos* de
suas personagens, mas pelo páthos ou, em outras palavras, não é mais o ideal
aristocrático do caráter que interessa ao artista, mas interessam-lhe as emoções,
os sentimentos e as paixões dos indivíduos. Finalmente, no caso da religião, outrora exprimindo orgulho patriótico aristocrático, cívica e trágica, a religião do
Estado, desde o final da Guerra do Peloponeso, vai sendo abandonada, subs
tituída pela adoração de deuses mais ocupados com a satisfação das necessidades
pessoais de seus crentes.
No caso da filosofia, a presença dos chamados socráticos menores - cínicos,
cirenaicos e megáricos -já assinalava uma ruptura com o racionalismo dos so
cráticos maiores - Platão e Aristóteles. Essa presença dos socráticos menores, no
correr e após o término da Guerra do Peloponeso, atesta que o deslocamento da
filosofia para a arte de viver e o ideal do filósofo como sábio afastado dos tumul
tos do mundo já estavam em vias de constituição antes que a Macedônia e Roma
substituíssem a pólis pela kosmópolis.
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