escusa de realizar uma missão civilizatória, anexando territórios e dominando
povos não helênicos, Alexandre era, na verdade, um déspota e um tirano -
despotês, porque fazia de sua vontade a única lei; tyrannikós, porque preten
deu colocar-se, por sua excelência militar, acima de todos, e acima dos huma
nos, fazendo-se divinizar. Todavia, o episódio de Melos pode levar-nos também
a atenuar a estranheza que os filósofos gregos teriam experimentado diante de
Alexandre. Afinal, em nome da lei, da liberdade e da igualdade, e em nome do
direito à hegemonia, Atenas fora despótica no Peloponeso e tirana de toda a
Hélade.
Assim, se nem os costumes e crenças orientais, nem a tirania de Alexandre
podem ser colocados entre as principais causas da nova filosofia, porque a insis
tência dos historiadores nesses aspectos? Possivelmente não pelos motivos alega
dos com frequência nas histórias da filosofia, mas por um outro, que costuma
passar desapercebido.
A política, como vimos no volume I, nasceu com a transferência para a pó
lis de instituições criadas pelas assembleias dos guerreiros. Além de introduzir a
isonomía, a isegoría, a mistophoría* como práticas políticas, as instituições guer
reiras aristocráticas marcaram a linguagem e o pensamento gregos com a men
talidade agonística dos chamados dissói logói, isto é, um falar e um pensar sob a
forma de um debate e um embate entre contrários. A retórica sofistica, a dialé
tica socrático-platônica, a erística dos socráticos menores e o estilo aristotélico
(" o ser se diz em muitos sentidos") são expressões desse modo de falar e pensar.
Em toda a Antiguidade, os comerciantes e políticos gregos foram conhecidos
por seu gosto em falar, pelo seu prazer de debater, discutir e questionar, pela
tendência a criar jogos de contradições e paradoxos. E isto, os filósofos viajantes
na expedição de Alexandre não encontraram nem no Oriente nem na prática do
rei do mundo.
Em Alexandre, encontraram a tentativa para encarnar a unidade, a indivi
são e a coesão do mundo, tais como só podem existir num deus. Nos sábios hin
dus, encontraram aqueles que desejavam solidão e silêncio, que se opunham à
unidade mundana, imposta pelos poderosos, buscando a autodissolução numa
unidade espiritual mais alta, dissolvendo-se na totalidade do vazio, o Nirvana.
Pensamos que, aplicando o paradigma dos dissói logói aos dois contrários,
isto é, à oposição entre a unidade cósmica, ilusoriamente encarnada em Alexan
dre, e a totalidade espiritual vazia, ilusoriamente buscada pelos ginosofistas, os
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