bém dos que considerava seus discípulos, com os quais se entretinha respondendo
e colocando questões.
Há um Pirro mestre, fundador de uma escola de filosofia e descrito num
poema daquele que recolheu suas ideias e considerou-se seu discípulo, Tímon de
Fliunte.
Nesse poema, conhecido como Imagens, Pirro é descrito imóvel e impassí
vel - "despojado de vaidade e não dominado por tudo quanto escraviza os
mortais" -, sendo interpelado por um discípulo que deseja pôr-se no mesmo
estado de serenidade - "eis o que meu coração queima por ouvir: Como, tu
que és um homem, fazes para passar tua vida numa tal serenidade, sempre livre
de pensamentos preocupantes, isento de agitação, sempre o mesmo, sem pres
tar a menor atenção nas misérias de uma sabedoria de linguagem suave?". A que
ele responde, dizendo:Vou dizer-te, como isso me parece ser manifestamente, pois tenho por reta regra um
discurso de verdade: a natureza do divino e do bem é sempre o que assegura ao ho
mem a vida mais constante. [ ... ] Mas em toda parte reina o fe nômeno, seja onde fo r.Sob a forma da imaginação poética, que apresenta Pirro segundo o modelo
literário grego do fundador, o poema descreve um verdadeiro processo iniciático
que suscita uma dificuldade de princípio: qual é a "natureza imutável do divino e
do bem", que parece contradizer tudo quanto sabemos sobre o ceticismo? A posi
ção cética não é inédita justamente porque articula felicidade e incerteza, recu
sando a pretensão dogmática de conhecer a natureza de seja lá o que for? No en
tanto, a dificuldade se desfaz quando compreendemos as palavras finais do poema:
não há essa "natureza", pois em toda parte só há fenômeno ou aparência. Em
outras palavras, a aparência é totalmente necessária (só ela existe, é ela a "nature
za" do divino e do bem) e totalmente contingente (poderia ser esta ou aquela, in
diferentemente) e por isso a serenidade não pode deixar de regular-se por ela.
As três imagens de Pirro poderiam, entretanto, articular-se e fo rmar uma
unidade, se pensarmos que cada uma delas descreve o itinerário do filósofo: retira
-se do mundo (o asceta), exercitando-se até alcançar a serenidade (o mortal que
frui a paz) e inscreve a sabedoria na vida cotidiana, não em conformidade com os
preconceitos e as opiniões, mas em conformidade com os fe nômenos, isto é, lúci
do e não conformista.
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